Dr. Gamaliel Marques

Dr. Gamaliel Marques

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

As ilegalidades decorrentes da atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito sob a ótica constitucional e do CBT



Benevides Fernandes Neto


A presente pesquisa nos reporta ao estudo do exercício do poder de polícia de trânsito pelos entes estatais, mediante a designação de guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito, após o advento da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o qual passou a ser encarado de forma bem diferente da legislação anterior. Dentre os poderes administrativos, sem dúvida, o poder de polícia é o que mais efetivamente demonstra a interferência estatal no ajustamento das condutas necessárias à harmonização da vida em sociedade, dotando os agentes públicos, para tanto, de autoridade e poderes para a consecução de seus lídimos interesses, quais sejam, a paz social e o bem-estar da coletividade.
Em face da evolução apresentada no ordenamento nacional com o advento do CTB permitiu-se às autoridades de trânsito inseridas no Sistema Nacional de Trânsito a prerrogativa de efetuar, dentro das competências dos órgãos executivos e executivos rodoviários, a fiscalização de trânsito, por meio de delegação aos agentes da autoridade de trânsito, sejam estes servidores civis ou militares estaduais. Por meio do estudo das disposições constitucionais e legais atinentes à espécie iremos demonstrar as ilegalidades decorrentes da utilização destes servidores públicos para atuarem como agentes de trânsito, mediante nomeação, designação ou credenciamento, bem como que a Guarda Municipal não faz parte do Sistema Nacional de Trânsito (SNT) e, em razão de tal fato, também não podem atuar mediante convênio firmado com os órgãos e entidades integrantes do SNT.


Palavras-chave: Poder de polícia; Fiscalização de trânsito; Agentes da autoridade de trânsito.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO
2 A GUARDA MUNICIPAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
2.1 Contexto histórico
2.2 Competência da Guarda Municipal
2.3 Perfil das Guardas Municipais
3 PODER DE POLÍCIA
3.1 Conceito
3.2 Atributos, meios de exteriorização e delegação
4 O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
4.1 Contexto histórico
4.2 Definições e conceitos do Direito de Trânsito
4.3 A municipalização do trânsito
4.4 Sistema Nacional de Trânsito
4.5 Órgãos e entidades de trânsito: competências
5 AGENTES DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO
5.1 Agentes públicos: definição e tipos
5.2 Agentes da autoridade de trânsito
6 CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIOS
7 NOTAS DOUTRINÁRIAS E JURÍDICAS
8 CONCLUSÃO
9 REFERÊNCIAS

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 delegou aos municípios a criação de guardas municipais, conforme previsão do § 8º do artigo 144, in verbis, “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”.
Verifica-se, entretanto, que cresce a cada dia, nos mais diversos municípios do país, a elaboração de leis ordinárias, ou seja, infraconstitucionais, ampliando o campo de atribuições desses servidores públicos, contrapondo-se frontalmente com a Carta Magna, a qual estabelece que sua atribuição circunscreve-se à proteção de bens, serviços e instalações de próprios municipais, conforme a regulamentação que lhe dispuser a lei, dado que a matéria de Segurança Pública é de competência da União. A Carta Constitucional do Estado de São Paulo, por sua vez, dispõe em seu artigo 147 que “Os Municípios poderão, por meio de lei municipal, constituir guarda municipal, destinada à proteção de seus bens, serviços e instalações, obedecidos os preceitos da lei federal”, remetendo, como dever do legislador, às considerações limitadoras constante da lei federal.
Equivale argumentar que tais posicionamentos dos atos Estaduais e Municipais, respeitando a hierarquia das leis, propiciam um estímulo ao Estado Democrático e ao Estado de Direito, sendo o primeiro com inclusão do administrado à perfeita cidadania e ao segundo aspecto, a certeza pela segurança jurídica que se impõem os atos regulares baixados.
Isto posto, analisando-se as disposições constitucionais atinentes à espécie, constata-se que, hodiernamente, para o fim que se dispõe a presente análise articulada, muitas guardas municipais executam funções de policiamento e fiscalização de trânsito, desvirtuando-se de sua precípua destinação.
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), instituído pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, dispõe em seu artigo 5º que o Sistema Nacional de Trânsito (SNT) é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normalização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades.
A inclusão dos municípios, que não o integrava na vigência do Código Nacional de Trânsito anterior, acompanha moderna tendência de permitir que estes entes estatais possam prestar diretamente os serviços públicos que dizem respeito ao interesse local. Assim como a educação e a saúde, a concessão do poder de polícia de trânsito aos municípios acompanha essa tendência, que, na visão de nossos legisladores, visa tornar mais eficiente a prestação dos serviços públicos que afetam mais diretamente a população abrangida pelo município.
Com a inclusão dos municípios, o SNT restou composto pelos seguintes órgãos:


I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN;
II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE;
III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
V - a Polícia Rodoviária Federal;
VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal;
VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI.

A enumeração dos órgãos e entidades de trânsito é taxativa, sendo vedada a inclusão de novos entes sem a observância do processo legislativo competente, o que demonstra a impossibilidade da inclusão das guardas municipais no SNT e, por conseguinte, a sua utilização como agentes da autoridade de trânsito, uma vez que o § 4º do artigo 280 do CTB estabelece que “O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência”.
Bem de relevar a informação de que ao nível Federal, Estadual e Municipal são respectivamente autoridades de trânsito, o Presidente da República, o Governador e o Prefeito, como delegações advindas do próprio CTB.
Uma interpretação acurada sobre o artigo em comento demonstra que o servidor civil deverá ser concursado para exercer a função de agente de trânsito, quando então será nomeado para tal mister, uma vez que a dicção do texto normativo estabelece que somente o policial militar poderá ser designado como agente de trânsito. Neste ponto observa-se que, para o servidor civil, a assunção dessa função deve observar os mandamentos legais atinentes à espécie, ou seja, a investidura em cargo ou emprego público deve ser feita através de concurso de provas ou de provas e títulos (inc. II, art. 37, CF) e, note-se que tal investidura deverá ser para o cargo compatível com a função a ser exercida, in casu, de agente de trânsito ou figura similar de composição administrativa do órgão executivo estadual de trânsito.
Tal requisito afasta por completo a possibilidade de utilização das guardas municipais como agentes de trânsito, uma vez que, por se tratar de função de Estado, não pode ser objeto de extinção do cargo ou transformação para cargo distinto, sob pena de desvio de função e ofensa aos princípios da legalidade, eficiência e moralidade administrativa, caracterizando a chamada improbidade administrativa da autoridade máxima do Município, dado à gravidade dos atos quando de sua correspondente aplicação.
O artigo 25 do CTB prescreve que os órgãos e entidades do SNT poderão celebrar convênio delegando as atividades que lhe são afetas, com vistas à maior eficiência e segurança para os usuários da via. Caso o órgão não possua recursos humanos e materiais para a plena execução de suas tarefas e deseje manter, privativamente, a execução das atividades relacionadas com o exercício do poder de polícia de trânsito, poderá o referido convênio cingir-se à prestação de serviços de capacitação técnica, assessoria e monitoramento das atividades relativas ao trânsito durante prazo a ser estabelecido entre as partes, com o ressarcimento dos custos apropriados.
Na interpretação do texto legal acima transcrito se constata que todos os órgãos executivos de trânsito podem celebrar convênios delegando as atividades que lhe incumbem a outros órgãos e entidades executivos, de tal forma que, a título de exemplo, pode o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) celebrar convênio com a Polícia Militar (PM), o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transporte (DNIT) com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as Secretarias de Trânsito ou Transporte municipais com órgãos e entidades da administração indireta (com destinação específica para tal fim) ou com a Polícia Militar, não restando campo para entendimento diverso no sentido de que as guardas municipais possam atuar mediante convênio, sob pena de desvio de função e violação ao dispositivo constitucional que lhe dá suporte, uma vez que é conditio sinne qua non que as partes convenientes sejam integrantes do SNT.
Tais situações mescladas de ações diferenciadas pelos Municípios no uso da guarda municipal como agente de trânsito, perpassa desde a falta de planejamento na área de recursos humanos para atividade estatal, bem assim, da praticidade que se verifica em determinados locais, de simples desvio de função a se evitar com que a autoridade executiva venha a realizar um concurso público, tudo, diga-se para evitar as penalidades da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, que trouxe um grande avanço e aprimoramento nas contas públicas nos três níveis de governo.
O presente estudo visa analisar: É legal a utilização de guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito? Com a elaboração desta pesquisa, pretendemos examinar a utilização das guardas municipais na execução de funções atinentes a outros órgãos estaduais e municipais, em claro confronto com as disposições constitucionais e legais atinentes à espécie.
Em busca de respostas a este problema ter-se-á como objetivos:
• As funções atualmente desempenhadas pelas guardas municipais estão em consonância com as disposições constitucionais?
• As guardas municipais podem ser consideradas como órgãos componentes do Sistema Nacional de Trânsito?
• As guardas municipais podem ser designadas para atuarem como agentes da autoridade de trânsito?
• As guardas municipais podem atuar mediante convênio firmado com o órgão ou entidade de trânsito?
Pretende-se, no alcance destes objetivos e nas respostas encontradas, confirmar a hipótese inicialmente proposta: A utilização de guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito, sob a ótica constitucional e infraconstitucional é ilegal.

2. A GUARDA MUNICIPAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

2.1 Contexto histórico

Antes de iniciarmos nosso estudo, convém traçarmos um panorama histórico sobre a trajetória constitucional sobre o capítulo referente à segurança pública, de forma a situarmos a instituição Guarda Municipal dentro do contexto que se pretende impor à presente pesquisa.
Segundo o eminente jurista José Cretella Júnior (1993, p. 3410-11), “o problema da segurança, quer do Estado, quer do indivíduo, inscreve-se com um dos temas fundamentais do Direito”. Para o autor, o fundamento básico para o natural desenvolvimento do ser humano se circunscreve ao asseguramento da segurança do Estado, das pessoas e dos bens, havendo então a necessidade de uma “força organizada que protege a sociedade, livrando-a da vis inquietativa que a perturba”, definição a que se relaciona o termo Polícia.
O problema da segurança pública, sob a ótica constitucional, variou em maior e menor grau dentro das preocupações do legislador constituinte, ora sendo totalmente silente, ora abarcando por completo o tema. Assim, fazem-se necessário verificarmos, um a um, quais os desígnios que animaram nossos legisladores ao longo do tempo.
As Constituições de 1824 e de 1891 foram totalmente omissas em relação ao tema Segurança Pública, sendo que a primeira Carta Magna a trazer enunciado sobre a questão foi a Constituição de 1934, a qual preconizava em seu artigo 159 que “Todas as questões relativas à segurança nacional serão estudadas pelo Conselho Superior de Segurança Nacional e pelos órgãos especiais criados para atender às necessidades da mobilização” (CRETELLA JÚNIOR, 1993, p. 3410).
A União detinha competência privativa para organizar a defesa externa, a polícia e segurança das fronteiras e as forças armadas (art. 5º, inc. V), bem como para legislar sobre organização, instrução, justiça e garantias das forças policiais dos Estados e condições gerais da sua utilização em caso de mobilização ou de guerra (art. 5º, inc. XIX, alínea “l”).
A Constituição de 1937 repetiu o inteiro teor desses comandos normativos, com numerações distintas, somente havendo pequena mudança quando da promulgação da Carta Magna de 1946, a qual permitiu que os Estados organizassem suas forças policiais (art. 18, § 1º), mantendo incólume a competência do Conselho de Segurança Nacional e dos órgãos especiais das Forças Armadas quanto ao estudo dos problemas relativos à defesa do país (art. 179).
A Carta Magna de 1967 (art. 89), bem como a de 1969 (art. 86), com a redação que lhe foi dada pela EC nº 1, estabelecia que “Toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites definidos em lei”. A União manteve a prerrogativa de planejar e organizar a segurança nacional, mediante estudos promovidos pelo Conselho de Segurança Nacional.
Torna-se imperioso mencionar que a Constituição de 1967 foi a primeira a trazer status constitucional aos órgãos policiais, delimitando expressamente as suas atribuições, de tal forma que às Polícias Militares incumbia a manutenção da ordem e a segurança interna nos Estados, Territórios e no Distrito Federal (art. 13, § 4º), sendo que à Polícia Federal direcionava as seguintes atribuições (art. 8º, inc. VII):

a) os serviços de política marítima, aérea e de fronteiras;
b) a repressão ao tráfico de entorpecentes;
c) a apuração de infrações penais contra a segurança nacional, a ordem política e social, ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União, assim como de outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
d) a censura de diversões públicas (art. 8º, inc. VII).

“A expressão segurança pública (art. 144), em vários aspectos, é sinônimo perfeito, no Direito Constitucional, da expressão segurança nacional, referida na Carta Política de 1969 (art. 86)”. Nesse sentido, “a segurança pública, que equivale à expressão segurança nacional, deve ser assegurada pelo Estado e pela colaboração de todos” (CRETELLA JÚNIOR, 1993, p. 3411).
A Carta Magna de 1988, também chamada de “Constituição Cidadã”, devido aos anseios de democracia e o contexto social vigente, revelou a intenção do legislador constituinte em criar mecanismos aptos a buscar solução para os problemas relativos ao crescimento da criminalidade, principalmente a organizada.
Assim é que, para tanto, ressaltou o poder-dever do Estado em garantir a segurança pública, por meio de seus órgãos policiais, e a responsabilidade de todos, Poder Público e cidadãos, em colaborar para tal desiderato, ou seja, para a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. “Cabe à lei fixar os limites desse dever do Estado, a que todos os habitantes do Brasil, nacionais ou estrangeiros, estão obrigados, do mesmo modo que todas as pessoas jurídicas, organizadas ou não no país, no que se refere à atividade destas” (CRETELLA JÚNIOR, 1993, p. 3416).
Convém, antes de adentramos a análise do comando normativo correspondente, elencar alguns conceitos que entendemos importantes para o estudo. Para Cretella Junior (1987, p. 165), pode-se definir juridicamente o termo polícia como sendo o “conjunto de poderes coercitivos exercidos pelo Estado sobre as atividades do cidadão mediante restrições legais impostas a essas atividades, quando abusivas, a fim de assegurar-se a ordem pública”.
Segundo De Plácido e Silva (apud LAZZARINI, 1987, p. 8-9), ordem pública “é a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto”. Sabe-se que o conceito de ordem pública abrange os aspectos de tranqüilidade, salubridade e segurança pública, sendo, portanto, atividade que engloba multifacetadas atividades.
Para Mário Pessoa “a Segurança Pública é o estado antidelitual, que resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei das contravenções. As ações que promovem a Segurança Pública são ações policiais repressivas ou preventivas típicas” (apud LAZZARINI, 1987, p. 15).
A classificação da polícia em dois ramos distintos, repressiva (judiciária) ou preventiva (administrativa) também foi adotada pela Constituição Federal de 1988, “ao prever taxativamente no art. 144, que a segurança pública, dever do Estado, é exercida [...] por meio da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis e polícias militares e corpo de bombeiros” (MORAES, 2004, p. 676-7).
A enumeração taxativa dos órgãos policiais, conforme já decidiu o excelso STF na ADIN nº 263-8/RJ, bem como a delimitação de suas atribuições, é fruto das convulsões sociais e políticas que marcavam o contexto da segurança pública durante os trabalhos da Assembléia Constituinte e dos anseios populares, assustados com a onda de criminalidade que assolava o país.
Para Silva (2002, p. 757-8), “os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma forma de polícia municipal. Com isso, os Municípios não ficaram com nenhuma específica responsabilidade pela segurança pública”. Prossegue o autor aduzindo que seu campo de atuação cinge-se, tão somente, a colaboração com os Estados e à possibilidade de constituírem guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

2.2 Competência da Guarda Municipal

Antes de adentrarmos ao estudo da competência das guardas municipais, convém realizar uma pequena digressão histórica acerca das duas instituições mais antigas do Brasil: Porto Alegre e Recife.
A Guarda Municipal de Porto Alegre foi criada em 3 de novembro de 1892, por meio do Ato nº 6, de lavra do intendente (prefeito) de Porto Alegre, Alfredo Augusto de Azevedo. Em 17 de novembro de 1896 é decretada a sua extinção, sendo o seu efetivo incorporado à Polícia Administrativa até 1928. A partir de janeiro de 1929 é assinado convênio com o Governo do Estado, permanecendo este com a incumbência da realização de alguns serviços (Higiene, Policiamento e Instrução), fato que perdurou até 1957, quando então restou incorporada ao Estado.
Por força do Decreto nº 1410, de 31 de dezembro de 1957, cria-se o “Setor de Guardas”, subordinado à Secção de Fiscalização do Departamento de Limpeza Pública, posteriormente extinto em 1959, ano este em que surgiu o “Serviço da Guarda Municipal”, sendo que a partir de 10 de agosto de 1960 passa a se denominar “Guarda Municipal” e, em 1969, recebe nova nomenclatura, “Serviço de Vigilância Municipal”, retornando novamente a utilizar o termo “Guarda Municipal” a partir de 1994 (sem aspas no original).
Consta que sua atuação cinge-se à manutenção da segurança do patrimônio público municipal (bens, serviços e instalações), envolvendo a proteção aos bens móveis e imóveis, a garantia do desempenho das funções dos servidores e da oferta de serviço aos usuários, além do apoio a órgãos municipais na sua atividade fiscalizatória e em questões de reintegrações de posse, nos casos de ocupações e em situações emergenciais de chuva, incêndio, desabamento, sempre com a parceria da Brigada Militar (SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E SEGURANÇA PÚBLICA, 2004).
A Guarda Municipal do Recife foi criada pela Lei nº 3, de 22 de fevereiro de 1893, sendo que no início de sua atuação seus integrantes eram chamados de Guardas de Jardim, pois como não podiam prender ninguém, suas atividades se limitavam a tomar conta das praças. Com a edição da Portaria nº 247, de 11 de maio de 1951, foi permitido que seus integrantes portassem armas de fogo, sendo datada dessa época a criação da Associação da Guarda Municipal, que, através de suas ações, tornou reconhecida a Guarda Municipal pelas autoridades policiais, civis e militares do Estado.
Consta que, inicialmente, atuavam em parceria com os demais órgãos policiais nas praias, nas repartições da Prefeitura e no trânsito, sendo que atualmente tem por objetivo promover e manter a vigilância dos prédios públicos e das áreas de preservação do patrimônio natural e cultural do município; fiscalizar a utilização adequada dos parques, jardins, praças e monumentos; além de outras atividades, voltadas para o bem do município e da sociedade (SECRETARIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS, 2001).
As constituições brasileiras sempre foram silentes quanto à existência e competência das Guardas Municipais, situação que somente se modificou com a promulgação da Carta Magna de 1988. Com efeito, prescreve o seu § 8º do artigo 144 que:

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

A interpretação lógica e sistêmica do referido comando constitucional demonstra que o campo de atuação das guardas municipais cinge-se à proteção dos bens, serviços e próprios municipais. Com relação aos serviços públicos, conceitua-os Moreira Neto (1994, p. 317) como sendo “uma atividade da Administração que tem por fim assegurar, de modo permanente, contínuo e geral, a satisfação de necessidades essenciais ou secundárias da sociedade, assim por lei consideradas, e sob condições impostas unilateralmente pela própria Administração”.
Para Meirelles (2000b, p. 306), “Serviço Público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controle estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado”.
A fim de “distinguir o serviço público propriamente dito das demais atividades administrativas de natureza pública”, conceitua-o Di Pietro (2003, p. 99) como “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente públicos”.
Integram o patrimônio público todos os bens e próprios pertencentes ao ente estatal. Segundo Meirelles (2000a, p. 243), “O patrimônio público municipal é, assim, formado por bens de toda natureza e espécie que tenham interesse para a Administração e para os administrados”. Prossegue o eminente jurista aduzindo que “consideram-se bens ou próprios municipais todas as coisas corpóreas ou incorpóreas: imóveis, móveis e semoventes; créditos, débitos, direitos e ações que pertençam, a qualquer título, ao Município” (2000a, p. 244).
Assim, dentro da presente conceituação estão abrangidos os bens públicos e as instalações físicas ocupadas pela Administração Pública, aí incluída também o capital social e as instalações de entes da administração indireta que prestem, diretamente, os serviços de competência do município.
De acordo com o artigo 98 do Código Civil de 2002 são públicos os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, assim considerados, de acordo com o artigo 99:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

“O critério dessa classificação é o da destinação ou da afetação dos bens: os da primeira categoria são destinados, por natureza ou por lei, ao uso coletivo; os da segunda ao uso da Administração, para consecução de seus objetivos”. Os da terceira categoria, aduz a jurista, “não tem destinação pública definida, razão pela qual podem ser aplicados pelo Poder Público, para obtenção de renda” (DI PIETRO, 2003, p. 541).
Os bens de uso comum do povo, “como exemplifica a própria lei, são os mares, praias, rios, estradas, ruas e praças. Enfim, todos os locais abertos à utilização pública adquirem esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo” (MEIRELLES, 2000a, p. 246).
Com relação aos bens de uso especial, conceitua-os Di Pietro (2003, p. 545) como “todas as coisas, móveis ou imóveis, corpóreas ou incorpóreas, utilizadas pela Administração Pública para realização de suas atividades e consecução de seus fins”. Partindo da definição da doutrina, incluem-se nesse rol “os edifícios das repartições públicas, os terrenos aplicados aos serviços públicos, os veículos da Administração, os matadouros, os mercados e outras serventias que o Município põe à disposição do público, mas com destinação especial” (MEIRELLES, 2000a, p. 246).
Os bens dominicais “são os que, embora integrando o domínio público como os demais, deles diferem pela possibilidade sempre presente de serem utilizados em qualquer fim, ou, mesmo, alienados e consumidos nos serviços da própria Administração” (MEIRELLES, 2000a, p. 246). Não dispondo a lei em contrário, estabelece o § único do artigo 99 que também se consideram dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
“O Código de Contabilidade os define como ‘os bens do Estado, qualquer que seja a sua proveniência, dos quais se possa efetuar a venda, permuta ou cessão, ou com os quais se possam fazer operações financeiras em virtude de disposições legais especiais de autorização’ (art. 810)” (DI PIETRO, 2003, p. 548).
Para Silva (2002, p. 758), “Aí certamente está uma área que é de segurança: assegurar a incolumidade do patrimônio municipal, que envolve bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens patrimoniais”. Igual ensinamento nos é ofertado por Moraes (2004, p. 677), que assevera não ter a Carta Magna não se lhes reconhecido a “possibilidade de exercício de polícia ostensiva ou judiciária”.
Cretella Junior (1993) aduz que a segurança pública é exercida mediante a ação de vários órgãos policiais para a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, sendo que no âmbito municipal é facultado ao poder público a criação de guardas municipais destinadas a proteção dos bens, serviços e instalações comunais, conforme o que dispuser a lei.
Tradicional é a lição do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles (2000a, p. 381) para quem “Os serviços de segurança urbana desempenhados pelos nossos Municípios têm-se restringido à guarda de seus edifícios, à prevenção contra incêndios e à extinção de animais nocivos”, através da implantação permanente de uma guarda municipal, a qual se destina ao “policiamento administrativo da cidade, especialmente dos parques e jardins, dos edifícios públicos e museus, onde a ação dos depredadores do patrimônio público se mostra mais danosa”.
“A guarda municipal, ou que nome tenha, é apenas um corpo de vigilantes adestrados e armados para a proteção do patrimônio público e maior segurança aos munícipes, sem qualquer incumbência de manutenção de ordem pública [...] ou de polícia judiciária [...]” (MEIRELLES, 2000a, p. 382).
Desde a promulgação da Constituição Federal, entretanto, muito se tem discutido acerca do correto alcance daquela norma constitucional. Apesar de apresentar com uma clareza inolvidável a taxativa enumeração de atribuições inerentes às Guardas Municipais, muitos administradores públicos têm ampliado, por meio de normas infraconstitucionais, o campo de atribuições dessas instituições, colocando-as em conflito com a norma maior.
Conforme citado por Silva (2002), ao poder público municipal não foi dada nenhuma responsabilidade pela manutenção da segurança pública, sendo que o caput do artigo 144 estabelece, assim como para todas demais pessoas físicas e jurídicas, a obrigação de colaboração com os órgãos públicos responsáveis pela preservação da ordem pública e a incolumidade física e patrimonial, além da facultas em criar órgãos municipais destinados a proteção de seus bens, serviços e instalações.
Assim vemos, com clareza insofismável, que houve uma enumeração taxativa em relação aos órgãos que compõem a estrutura de segurança pública do país (ADIN nº 236-8/RJ), não se lhe incluindo entre eles, portanto, as guardas municipais.
Em relação ao alcance e interpretação das normas constitucionais, preleciona Moraes (2004, p. 47) que

A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal.

A definição léxica de hermenêutica é ligada à interpretação do sentido das palavras e textos sagrados, assim como a arte de interpretar as leis. Definição mais ampla e adequada à ciência jurídica nos é fornecida por Vicente Raó (apud MORAES, 2004, p. 45-6) para quem

a hermenêutica tem por objetivo investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo orgânico, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos assim interpretados, às situações de fato que lhe subordinam.

Canotilho (apud MORAES, 2004, p. 46) elenca alguns princípios e regras interpretativas das normas constitucionais, das quais citamos:

• da unidade da constituição: a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas;
[...]
• da justeza ou da conformidade funcional: os órgãos encarregados da interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário;
[...]
• da força normativa da constituição: entre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

Resta-nos, portanto, tecer comentários quanto à aplicabilidade das normas constitucionais. Para tanto adotaremos a tradicional classificação proposta pelo mestre José Afonso da Silva, que classifica as normas constitucionais quanto à sua aplicabilidade em normas de eficácia plena, contida e limitada, dentre todas as classificações, assegurada a linhagem hierárquica das normas, como princípio fundamental do direito.
As normas de eficácia plena são aquelas que se apresentam prontas para a sua imediata aplicação, produzindo ou com a possibilidade de produzir todos os seus efeitos a partir da entrada em vigor da Constituição.
Segundo Moraes (2004, p. 43), as normas de eficácia contida podem ser definidas como aquelas em

que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos em que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enunciados.

Normas de eficácia limitada são aquelas que dependem de lei regulamentadora para sua efetiva aplicabilidade, seja para regular concretamente um direito, um programa ou que institua, de fato, um órgão ou uma entidade, razão pela qual se diz que possuem aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
Decidindo questão posta ao seu julgamento pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em relação à utilização das guardas municipais como agentes de trânsito no município de São José do Rio Preto (ACP - Processo nº 18.609/06 - Vara da Fazenda Pública), o eminente Juiz de Direito Dr. Angelo Márcio de Siqueira Pace, utilizando-se dos ensinamentos do mestre José Afonso da Silva, preleciona que:

[...] As normas constitucionais de eficácia limitada, destarte, podem ser de princípio institutivo (prevêem a criação de órgãos, entidades ou insituições) ou de princípio programático (estatuem genericamente um programa de ações estatais ou uma linha de conduta estatal, sempre na dependência de lei que viabilize a efetividade da norma). No dizer do citado Mestre: “São, pois normas constitucionais de princípio institutivo aquelas através das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei”.

Prossegue o julgador aduzindo que as normas de eficácia limitada e de princípio institutivo podem ser impositivas ou facultativas, de tal forma que as primeiras são comandos impostos ao legislador direcionados à regulamentação legal e, segundo a lição do Mestre:

as normas facultativas apenas atribuem poderes para disciplinar o assunto, se achar conveniente - isto é, dão-lhe mera faculdade, indicando ser possível regular a matéria -, do que deflui, para ele, discricionariedade completa quanto à iniciativa dessa regulamentação; mas, uma vez tomada a iniciativa, a regra constitucional é vinculante quanto aos limites, forma e condições nela consignados. E arremata: O legislador tem apenas uma faculdade. Quanto à iniciativa da lei, tem discricionariedade completa, não podendo sequer ser censurado moral ou politicamente se não a tomar, até porque, nesse caso, sequer cabe declaração de inconstitucionalidade por omissão. Fica, porém, vinculado ao texto constitucional se resolver disciplinar os interesses ou instituições consignados à sua discrição.

Arrematando de maneira brilhante o assunto, assevera o julgador que a norma contida no § 8º do artigo 144 da CF/88 se consubstancia em norma de eficácia limitada, de princípio institutivo e facultativa, devendo o legislador, pretendendo criar um corpo de guardas municipais, observar a estrita finalidade daquela instituição. Quanto ao alargamento de sua competência constitucional, colhamos o seguinte excerto:

A omissão quanto a quaisquer outras atribuições ou finalidades, mesmo ao se referir à regulamentação legal, é o que se chama de “silêncio eloqüente”. Quando a Constituição quer que determinada instituição realize funções outras que não aquelas já enumeradas, remete-as expressamente à lei (art. 129, IX; art. 144, § 1º e 5º, parte final; art. 200, caput, por exemplo). Ao se calar solenemente sobre quaisquer outras “destinações” da Guarda Municipal, sem nenhuma ressalva ou condição, o constituinte firmou seu posicionamento, ainda que não da melhor forma. De todo modo, o princípio jurídico de que o administrador público pode fazer apenas o que a Lei lhe permite (e não aquilo que ela não proíbe) apresenta-se igualmente válido em face da Constituição, guardadas as devidas proporções.

2.3 Perfil das Guardas Municipais no Brasil

Desde o ano de 2003 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vem trabalhando em projeto denominado de Pesquisa de Informações Básicas Municipais, por meio do tratamento dos dados obtidos junto às prefeituras dos municípios brasileiros.
Com base nos resultados dessa pesquisa, realizada anualmente, o IBGE (2006) publica os dados referentes ao Perfil dos Municípios Brasileiros, dividido em seis capítulos: função tributária; estrutura e dimensão do serviço público no tocante ao quadro ativo de pessoal; capacidade informacional da gestão municipal; política de educação; área de segurança pública, justiça e guardas municipais; recursos financeiros aplicados à educação e na segurança pública.
Os dados que serão apresentados a seguir fazem parte da publicação Perfil dos Municípios Brasileiros - 2006 e aborda tão somente a questão referente às guardas municipais (tabelas 71 a 92). Dos 5.564 municípios brasileiros, 786 deles possuem guardas municipais e contam com um efetivo total de 74.797 pessoas, distribuídos entre homens (64.692 - 86,90%) e mulheres (9.755 - 13,10%), englobando, também, um universo de 350 integrantes em que não foi declarado o sexo.
A região Nordeste é a que concentra o maior número de municípios com guardas municipais (358 - 45,55%), seguida pelas regiões Sudeste (299 - 38,04%), Norte (60 - 7,63%), Sul (53 - 6,74%) e Centro-Oeste (16 - 2,04%). As cidades com até 50.000 habitantes são as que concentram o maior número de guardas municipais (494 - 62,85%), seguidas pelos municípios com mais de 50.000 e menos de 500.000 habitantes (264 - 33,59%), sendo que as grandes cidades (mais de 500.000 habitantes) concentram 28 delas (3,56%). Percentualmente, entretanto, a relação entre o número de municípios existentes e aqueles que possuem guardas municipais é extremamente disforme, tendo apresentado os seguintes resultados:

• com até 5.000 habitantes (1.371): 28 possuem guarda municipal (2,04%);
• entre 5.001 a 20.000 habitantes (1.290): 72 (5,58%);
• entre 20.001 a 50.000 habitantes (1.033): 237 (22,94%);
• entre 50.001 a 100.000 (311): 119 (38,26%);
• entre 100.001 a 500.000 (231): 145 (62,77%);
• mais de 500.00 (36): 28 (77,77%).

O efetivo das guardas municipais também é extremamente variado: 140 delas possuem um efetivo total de 10 integrantes (17,81%), 325 contam com efetivo variável entre 11 e 40 integrantes (41,35%), 189 ostentam entre 41 a 100 integrantes (24,05%), 94 delas mantém um contingente entre 101 a 300 integrantes (11,96%) e apenas 36 declararam possuir mais de 300 integrantes (4,58%), englobando-se 02 municípios onde o efetivo não foi informado (0,25%).
Relativamente à distribuição das guardas municipais em relação ao tamanho do efetivo, o Estado de São Paulo é o que conta com o maior número delas em todas as categorias pesquisadas: 26 daquelas que possuem até 10 integrantes (18,57%), 66 com efetivo entre 11 a 40 integrantes (20,30%), 54 para as que ostentam entre 41 a 100 integrantes (28,57%), 29 daquelas cujo efetivo se situa entre 101 a 300 integrantes (30,85%) e 10 dentre aquelas com mais de 300 integrantes (27,77%).
Em relação ao vínculo de subordinação vemos que 769 delas (97,84%) fazem parte da Administração Direta e apenas 16 pertencem à Administração Indireta (2,03%), englobando-se 01 município que não informou sua constituição jurídica (0,13%). Daquelas pertencentes à Administração Indireta 12 são constituídas sob a forma de autarquias (75%), 01 sob a forma de fundação (6,25%) e 03 constituídas como empresas públicas (18,75%).
Em relação à localização de sua sede, temos que 323 delas possuem prédio de uso exclusivo (41,09%), 313 se situam em prédio em conjunto com outra entidade (39,82%), 146 declararam não possuir sede (18,58%) e 04 nada informaram sobre a situação de suas sedes (0,51%).
A faixa de salário inicial do cargo de guarda municipal varia entre 1 salário mínimo (225 - 28,63%), mais de 1 a 3 salários mínimos (503 - 64%), mais de 3 a 5 salários mínimos (49 - 6,23%) e mais de 5 salários mínimos (2 - 0,25%), somados 07 municípios que não informaram a faixa salarial de ingresso (0,89%).
Apesar de possuírem mais de 115 anos de existência, apenas 183 guardas municipais possuem um de seus integrantes ocupando a função de Comandante (23,28%). A maioria da guardas municipais são comandadas por policiais militares (308 - 39,19%), seguidos por civis (176 - 22,39%), militares federais (49 - 6,23%), policiais civis (37 - 4,71%), bombeiros militares (21 - 2,67%) e policiais federais (4 - 0,51%), além de outras 08 instituições cuja formação não foi informada (1,02%).
Do total de guardas municipais, excluídos os municípios que não informaram a existência de órgão de controle, 566 declararam não possuir nenhum órgão de controle (72,01%), externo ou interno, enquanto que 157 declararam possuir órgão interno e 104 se sujeitam à fiscalização por órgãos externos, sendo computados, eventualmente, aquelas que se sujeitam ao controle simultâneo dos órgãos internos e externos.
A realização de treinamento ou capacitação, que pode incluir a realização em mais de uma oportunidade (ingresso, atualização e aperfeiçoamento), é efetuada por ocasião do ingresso do guarda municipal em 455 instituições (57,89%), sendo que em 131 delas não é efetuado nenhum tipo de treinamento ou capacitação (16,67%) e em 200 delas o aprendizado ocorre após o ingresso funcional (25,44%). De acordo com os dados fornecidos 322 instituições informaram que os realizam periodicamente, enquanto que 152 efetuam apenas ocasionalmente.
Com relação ao tipo de atividade exercida, foram obtidos os seguintes resultados:

• Segurança e/ou proteção do prefeito e/ou outras autoridades: 360 (45,80%);
• Ronda escolar: 565 (71,88%);
• Proteção de bens, serviços e instalações do município: 750 (95,42%);
• Posto de guarda: 247 (31,42%);
• Patrulhamento ostensivo a pé, motorizado ou montado: 500 (63,61%);
• Atividades de defesa civil: 339 (43,13%);
• Atendimento de ocorrências policiais: 248 (31,55%);
• Proteção ambiental: 296 (37,66%);
• Auxílio no ordenamento do trânsito: 456 (58,01%);
• Controle e fiscalização do comércio ambulante: 264 (33,59%);
• Auxílio à Polícia Militar: 558 (70,99%);
• Ações educativas junto à população: 381 (48,47%);
• Auxílio à Polícia Civil: 435 (55,34%);
• Patrulhamento de vias públicas: 484 (61,58%);
• Auxílio ao público: 653 (83,08%);
• Auxílio no atendimento ao Conselho Tutelar: 153 (19,46%);
• Segurança em eventos/comemorações: 660 (83,97%);
• Outra: 72 (9,16%).

O transporte mais utilizado para a realização dessas atividades é o automóvel (470), seguido pela motocicleta (406), bicicleta (123), cavalo (10) e outros tipos (38), sendo que 210 delas informaram não utilizar nenhum tipo de transporte para a consecução de suas tarefas, denotando que a realização das atividades é feita por integrantes atuando a pé. Ressalte-se que determinadas instituições podem utilizar mais de um tipo de transporte, seja automóvel e motocicleta ou motorizado e a pé.
Os atendimentos prestados pelas guardas municipais são registrados por meio de livro de ocorrência (348), formulário impresso (207), formulário eletrônico (17) ou por outras formas (16). Do total de municípios pesquisados, 193 informaram que suas guardas municipais não registram os atendimentos prestados, sendo que 05 prefeituras nada informaram com relação ao dado solicitado.

3. PODER DE POLÍCIA

“O poder de polícia, em suas manifestações arcaicas, nada mais era que a atividade destinada a manter uma ordem interna do grupo, indispensável à sua própria sobrevivência” (MOREIRA NETO, 1987, p. 115). “Como manifestação da soberania estatal, o poder de polícia tem sofrido as mutações conseqüentes das próprias modificações de seu sujeito, que é o Poder Público” (FERREIRA, 1987, p. 208-9). Suas origens remontam ao declínio do Estado Absolutista, no limiar do século XVIII, que antecede a chegada de uma nova ordem na sociedade, o Estado Liberal, período no qual o poder de polícia encontra sua contenção e redimensionamento.
Essa mudança, entretanto, teve como primícias a revolta dos barões que submeteram o Rei João Sem Terra à Carta Magna em 1215, posteriormente confirmada por Henrique III em 1235. A este ato se seguiram o Petition of Rigths em 1628 e o Bill of Rigths em 1689, fatos que extinguiram definitivamente o absolutismo da monarquia.
O primeiro surto histórico de expansionismo do poder de polícia surge após a edição das Declarações de Direito da Virgínia (1776) e da França (1789), “que caracterizam os direitos individuais como sagrados, inalienáveis e inatingíveis”, colocando o Estado em uma “posição omissiva, acreditando que a paz social resultaria, automaticamente, do livre jogo de interesses particulares. Só intervinha para, diante do abuso do direito, restabelecer o equilíbrio social” (FERREIRA, 1987, p. 209).
O poder de polícia cingia-se a um processo de defesa da sociedade contra os excessos individuais, limitando-se a fazer com que um indivíduo não perturbasse os outros. Essas manifestações, entretanto, culminaram em expressivos abusos individuais, fatos que conduziram a um novo conceito de manutenção da ordem, gerada pela necessidade de contenção dos desajustamentos, hipertrofias e deformações causadas pelo liberalismo (MOREIRA NETO, 1987).
“Quando começaram a ruir os fundamentos do exclusivismo individualista do liberalismo, [...] o Estado teve que assumir outras atividades além daquelas essenciais, tradicionalmente cumpridas, geralmente em conexão com o exercício do Poder de Polícia” (MOREIRA NETO, 1987, p. 112-3). Surgiam aí as atividades interventivas denominadas de serviços públicos.
Aliada a essas novas demandas surgiu, concomitantemente, a premente necessidade de intervenção estatal no domínio econômico, a fim de disciplinar as atividades econômicas e garantir oportunidades iguais para todos (Ordenamento Econômico), assim como a necessidade de impor limites ao homem enquanto ser social, com direitos mais amplos, incumbindo ao Estado a tarefa de cuidar da educação, saúde, trabalho, previdência, entre outros campos de atuação social (Ordenamento Social).
Essa fase marca a passagem do Estado Liberal para o Estado do Bem-Estar Social, por meio do qual o Estado busca,

por todos os meios a seu alcance, o acesso dos indivíduos, dos grupos econômicos e dos grupos sociais às condições de progresso, adotando medidas capazes de incentivar e mobilizar a iniciativa privada para somar-se à sua ação na prevenção do interesse coletivo (MOREIRA NETO, 1987, p. 114).

Esse processo, aliado ao progresso jurídico do Direito Público, faz surgir o conceito do Estado de Direito, caracterizado pela diferenciação e separação as atividades funcionais do Estado e a submissão do poder de polícia aos limites da lei.
“Este segundo surto histórico expansionista do poder de polícia [...], já perfeitamente balizado pelo Estado de Direito, é o que produziu sua atual concepção e presente dimensão nos Estados Democráticos de Direito contemporâneos” (MOREIRA NETO, 1987, p. 118).
“A expressão poder de polícia, de origem jurisprudencial, teve nascimento no direito norte-americano, criada por eminentes Ministros da Corte Suprema daquele país, cuja repercussão se estendeu até nossos dias” (CRETELLA JUNIOR, 1987, p. 183), ingressando, “pela primeira vez, na terminologia legal, no julgamento pela Corte Suprema do caso Brown versus Maryland e reaparece em outros julgados, a partir de 1827, como limite ao direito de propriedade para subordiná-lo aos interesses respeitáveis da comunidade” (TÀCITO, 1987, p. 101).
Dentro do atual arcabouço jurídico nacional é possível deparar-se com a expressão poder de polícia no inciso II do artigo 145 da Constituição Federal, que faculta aos entes federados a possibilidade de instituição de taxas em razão do exercício do “poder de polícia” ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.
Acerca do poder de polícia o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) nos traz a seguinte definição legal:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966).

3.1 Conceito

Segundo Miragem (2000), “as modernas concepções do Estado de Direito tem na concessão e garantia de direitos aos seus cidadãos o seu fundamento mais precioso”. Para o autor essa finalidade é desempenhada em primeiro lugar pela Constituição, que “passou a sistematizar esta outorga de direitos e deveres aos cidadãos, disciplinando inclusive a forma como as normas jurídicas que lhe fossem inferiores disporiam do estabelecimento ou restrição a tais direitos”.
Prossegue o autor aduzindo que aí reside o “fundamento da legitimação do Estado, qual seja, o de organizar a convivência social a partir da restrição a direitos e liberdades absolutas, em favor de um interesse geral”. De igual forma, “outorgou-se ao Estado a prerrogativa de indicar qual este interesse geral e de restringir o conteúdo de determinados direitos a limites que permitam o respeito a garantia deste interesse genérico”.
Essa prerrogativa de interferência e limitação das condutas individuais, legitimada pelo arcabouço jurídico e com a finalidade de busca do bem comum, ou interesse público, é que justifica a realização da atividade pública doravante denominada de poder de polícia.
Embora a expressão esteja plenamente consagrada na doutrina e na jurisprudência, sua conceituação em seus exatos contornos é tarefa das mais difíceis. Essa dificuldade na conceituação é caracterizada em face da existência de dualidades de concepções existentes.
Para Cretella Junior (1987), uma dessas dualidades reside na distinção entre as chamadas concepções européia continental e a norte-americana. Ao passo que, na França, seguida de perto pela Itália, a defesa da ordem pública, da segurança, da salubridade, é o objetivo preciso do poder de polícia, na jurisprudência e doutrina norte-americanas, aquele poder transcende às formas construtivas de direitos individuais, promanadas da Administração para estender-se, principalmente, até o exercício da função legislativa.
Outra dualidade nos é apontada por Celso Antonio Bandeira de Mello (apud MIRAGEM, 2000), que reconhece a existência de dois sentidos para o termo.
Um amplo, que consistiria na atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos que indica o universo das medidas do Estado, aí inclusive as normas legislativas produzidas pelo poder competente. Em sentido estrito, contudo, se pode observar o poder de polícia como intervenções genéricas ou específicas do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de interferir nas atividades de particulares tendo em vista os interesses sociais.

Brandão Cavalcanti (apud CRETELLA JUNIOR, 1987, p. 190) aponta que

em sentido lato, a expressão poder de polícia deve ser entendida como o “exercício do poder sobre as pessoas e as coisas, para atender o interesse público”, explica que “aquela designação não comporta definição rígida, mas inclui todas as restrições impostas pelo poder público aos indivíduos em benefício do interesse coletivo, saúde, ordem pública, segurança, e, ainda mais, os interesses econômicos e sociais. E conclui: “Poder de Polícia é a faculdade de manter os interesses coletivos de assegurar os direitos individuais de terceiros”. “O poder de polícia visa”, continua, “à proteção dos bens, direitos, da liberdade, da saúde, do bem-estar econômico. Constitui limitação à liberdade individual, mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais do homem”.

Na lição de Meirelles (2000a, p. 393), o “Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”, ou, “em linguagem menos técnica, é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual”.
No dizer de Lazzarini, poder de polícia “é um conjunto de atribuições da Administração Pública, como poder público, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum” (1987, p. 27-8).
Moreira Neto (1994, p. 294), abarcando a necessidade de um campo de atuação discricionária da Administração Pública em face da multiplicidade de comportamentos nocivos aos interesses coletivos, conceitua-o como:

a atividade administrativa que tem por objeto limitar e condicionar o exercício de direitos fundamentais, compatibilizando-o com interesses públicos legalmente definidos, com o fim de permitir uma convivência ordeira e valiosa..

Segundo Cretella Junior (1987, p. 192-3) o poder de polícia é o mecanismo por meio do “qual os Estados de direito, de nossos dias, satisfazem a tríplice objetivo, qual seja, o de assegurar a tranqüilidade, a segurança, a salubridade, mediante uma restritiva série de medidas, traduzidas, na prática, pela ação policial, que se propõe a atingir tal desideratum”.
A par do conceito legal de polícia administrativa dado pelo artigo 78 do Código Tributário Nacional, Gasparini (2003, p. 120) conceitua essa atribuição como sendo “a que dispõe a Administração Pública para condicionar o uso, o gozo e a disposição da propriedade e o exercício da liberdade dos administrados no interesse público ou social”.
Na conceituação de Caio Tácito (apud MEIRELLES, 1987, p. 148-9):

O poder de polícia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor de interesse público adequado, direitos e liberdades individuais. Essa faculdade administrativa não violenta o princípio da legalidade porque é da própria essência constitucional das garantias do indivíduo a supremacia dos interesses da coletividade. Não há direito público subjetivo no Estado moderno. Todos se submetem com maior ou menor intensidade à disciplina do interesse público, seja em formação ou em seu exercício. O poder de polícia é uma das faculdades discricionárias do Estado, visando à proteção da ordem, da paz e do bem-estar sociais.

Registre-se, por fim, o surgimento de divergência doutrinária quanto ao uso da expressão poder de polícia, incômoda a alguns administrativistas, os quais vêm buscando outras denominações técnicas para a designação da atuação estatal no campo das liberdades e interesses individuais.
Segundo Miragem (2000), um dos primeiros juristas a manifestar esta crítica foi Gordillo, “para quem basicamente criara-se uma concepção autônoma no direito administrativo, o poder de polícia, para indicar algo que em verdade resume-se à aplicação da lei - conduta exigível de qualquer órgão do Estado, vinculados ou não à Administração”.
Prossegue o jurista aduzindo que

Entre nós, Sunfeld critica a atual noção de poder de polícia e a predominância da doutrina em considerá-la a partir da perspectiva de ato de natureza negativa, exigindo predominantemente uma abstenção do particular, bem como a solução que identifica ter sido encontrada pela doutrina: a mera troca do termo que designa as prerrogativas da Administração neste campo, notando a preferência da doutrina moderna pela utilização do signo limitações administrativas.

Propõe aquele autor o abandono do termo e sua substituição pelo conceito de administração ordenadora, que abrange a ação administrativa e a atividade legislativa, sendo conceituada como “a parcela da função administrativa desenvolvida com o uso do poder de autoridade, para disciplinar, nos termos e nos fins da lei, os comportamentos dos particulares no campo de atividades que lhes é próprio”. Referido conceito abrange quatro elementos fundamentais: “exercício de função administrativa, voltada à organização da vida privada, dentro de uma relação genérica e com a utilização do poder de autoridade”.

3.2 Atributos, meios de exteriorização e delegação

Conforme vimos acima, o poder de polícia é, em suma, concedido nos termos da lei e regido pelas normas de Direito Administrativo, configurando-se na supremacia concedida ao Estado para condicionar e restringir o uso e gozo dos bens e liberdades individuais das pessoas físicas e jurídicas.
Em regra, essa atribuição do exercício do poder de polícia compete à entidade a quem a Constituição Federal concede a competência para legislar sobre o assunto. Segundo Gasparini (2003, p. 123) “a expressão ‘atribuição de polícia’ pode ser tomada tanto em sentido amplo como em sentido estrito. Em sentido amplo, abrange, além dos atos do Executivo, os do Legislativo. Em sentido estrito, alcança somente os atos do Executivo”.
Preleciona o referido autor que “essa atividade administrativa manifesta-se por atos normativos e concretos. Dos primeiros são exemplos os regulamentos (venda de bebidas nos períodos eleitorais e carnavalescos). Esses são atos gerais, abstratos e impessoais”. Com relação aos segundos, aduz que “são exemplos os atos administrativos de interdição de atividade não licenciada, de apreensão de mercadoria deteriorada, de guinchamento de veículo que não oferece condição ideal de uso [...] e de interdição (confinamento) de louco (2003, p. 124).
Para Di Pietro (2003, p. 113), considerando o poder de polícia em sentido amplo, de modo que abranja as atividades do Legislativo e do Executivo, os meios de que se utiliza o Estado para o seu exercício são:

1. atos normativos em geral, a saber: pela lei, criam-se as limitações administrativas ao exercício dos direitos e das atividades individuais, estabelecendo-se normas gerais e abstratas dirigidas indistintamente às pessoas que estejam em idêntica situação; disciplinando a aplicação da lei aos casos concretos, pode o Executivo baixar decretos, resoluções, portarias, instruções;
2. atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto, compreendendo medidas preventivas (fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização, licença), com o objetivo de adequar o comportamento individual à lei, e medidas repressivas (dissolução da reunião, interdição de atividade, apreensão de mercadorias deterioradas, internação de pessoa com doença contagiosa), com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei.

A doutrina aponta como atributos específicos e peculiares ao exercício do poder de polícia a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.
Segundo Meirelles (2000b, p. 127), “a discricionariedade [...] traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado”.
Segundo o autor a discricionariedade reside na “liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores”, desde que, aponta, a sanção guarde correspondência e proporcionalidade com a infração (2000b, p. 127).
Para Di Pietro (2003, p. 113), embora a discricionariedade “esteja presente na maior parte das medidas de polícia, nem sempre isso ocorre”. Nesse sentido, preleciona a autora que, “às vezes, a lei deixa certa margem de liberdade de apreciação quanto a determinados elementos, como o motivo ou o objeto. Tal fato se deve à impossibilidade de previsão, pelo legislador, de todas as hipóteses possíveis para a atuação do poder de polícia”.
Em outras circunstâncias, presente determinados requisitos, estabelece a lei qual o comportamento exigido da Administração, a quem não cabe, no caso concreto, qualquer possibilidade de livre escolha, quando então estaremos diante de um ato vinculado. O ato assim considerado somente será considerado válido se atender todas as exigências da lei ou do regulamento pertinente.
Preleciona Di Pietro (2003, p. 114) que “para o exercício de atividades ou para a prática de atos sujeitos ao poder de polícia do Estado, a lei exige alvará de licença ou de autorização”. Prossegue a autora afirmando que no primeiro caso o ato é vinculado, uma vez que a lei prevê os requisitos necessários para que se conceda o alvará, tal como na obtenção da Carteira Nacional de Habilitação; no segundo caso o ato é discricionário, vez que incumbe à Administração apreciar a situação concreta e decidir se deve ou não conceder a autorização, diante do interesse público pertinente, tal como na concessão do porte de arma de fogo.
Para Meirelles (2000b, p. 127-8) a auto-executoriedade é “a faculdade de a Administração decidir e executar diretamente sua decisão por seus próprios meios sem intervenção do Judiciário”. Nesse sentido, segundo o autor, o STF já decidiu concluindo que, “no exercício regular da autotutela administrativa, pode a Administração executar diretamente os atos emanados de seu poder de polícia sem utilizar-se da via cominatória, que é posta à sua disposição em caráter facultativo”.
Na conceituação de Di Pietro (2003, p. 114) a auto-executoriedade “é a possibilidade que tem a Administração de, com os próprios meios, pôr em execução as suas decisões, sem precisar recorrer previamente ao Poder Judiciário”. Segundo a doutrinadora, alguns autores desdobram o princípio em dois: a exigibilidade e a executoriedade.
A exigibilidade é a possibilidade que a Administração possui de tomar decisões executórias sem que haja prévio pronunciamento do juiz para impor a obrigação ao administrado. Para tanto se vale a Administração de meios indiretos de coação, tais como a imposição de multa e o condicionamento do licenciamento do veículo à quitação das multas não pagas.
A executoriedade se refere à possibilidade da Administração impor diretamente ao administrado a decisão executória, valendo-se para tanto, inclusive, do uso de força pública para tal desiderato. Nessas situações diz-se que a Administração se vale de meios diretos de coação, tal como, por exemplo, quando apreende mercadorias e interdita estabelecimentos.
A coercibilidade é “a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração [...]. Realmente, todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para seu destinatário), admitindo até o emprego da força pública para seu cumprimento, quando resistido pelo administrado” (MEIRELLES, 2000b, p. 129).
Para Di Pietro (2003, p. 115) “a coercibilidade é indissociável da auto-executoriedade. O ato de polícia só é auto-executório porque dotado de força coercitiva. Aliás, a auto-executoridade, tal como a conceituamos não se distingue da coercibilidade [...]”.
Segundo Moreira Neto (1994, p. 295) “o poder de polícia atua de quatro modos: pela ordem de polícia, pelo consentimento de polícia, pela fiscalização de polícia e pela sanção de polícia”. Nos dizeres do doutrinador “a limitação é o instrumento básico do Poder de Polícia e aqui se apresenta como ordem de polícia, quem vem a ser um preceito legal, conforme reserva constitucional (art. 5º, II)”, ou seja, são determinações incidentes sobre as atividades particulares em benefício do interesse público e que englobam um preceito negativo absoluto (não se faça aquilo que possa prejudicar o interesse geral) e um preceito negativo com reserva de consentimento (não se deixe de fazer o que, de alguma forma, poderá evitar posterior prejuízo público).
Outro modo de atuação do poder de polícia se dá pelo consentimento de polícia, que é “o ato administrativo de anuência para que alguém possa utilizar a propriedade particular ou exercer atividade privada, naqueles casos em que o legislador exija um controle prévio da compatibilização do uso do bem ou do exercício da atividade com o interesse público” (MOREIRA NETO, 1994, p. 295).
Nesse caso, verificando a Administração a implementação de todas as condições para o exercício de direito ou de uso de faculdades, sejam elas jurídicas ou fáticas, concederá a sua anuência, a qual é formalmente denominada de alvará (MOREIRA NETO, 1994), o qual, segundo definição de Meirelles (2000b, p. 129), “é o instrumento da licença ou autorização para a prática do ato, realização de atividade ou exercício de direito dependente de policiamento administrativo”.
Esse alvará (formal) poderá se constituir, materialmente, em uma licença (ato administrativo declarativo vinculado) ou uma autorização (ato administrativo constitutivo discricionário). A concessão da licença está sempre vinculada à lei e, desde que atendidas as exigências ali insertas, sua outorga é obrigatória, tornando, por via de conseqüência, exeqüível um direito preexistente, tal como decorre na concessão de licença para construção (direito de edificação) (MESALIRA, 1998).
Na autorização não há qualquer direito preexistente, mas sim mera expectativa de sua concessão, ficando esta sujeita ao juízo da autoridade competente, conforme a oportunidade e a conveniência. Esse juízo analisa se há compatibilização entre o uso ou a atividade pretendidas e o interesse público, o qual poderá ser revisto e alterado a qualquer tempo (precário). Atualmente a legislação não permite que se porte armas, entretanto, poderá o Estado consentir que determinado cidadão venha a portá-la (autorização para porte de arma) (MESALIRA, 1998).
A fiscalização de polícia destina-se a verificar o exato cumprimento, pelos administrados, das ordens e dos consentimentos de polícia, principalmente no que tange à utilização correta dos bens e realização das atividades.
De acordo com Moreira Neto (1994, p. 297), “sua utilidade é dupla: primeiramente, realiza a prevenção das infrações pela observação do cumprimento, pelos administrados, das ordens e consentimentos de polícia; em segundo lugar, prepara a repressão das infrações pela constatação formal dos atos infringentes”, podendo ser “deflagrada ex officio ou provocada por quem quer que tenha interesse no cumprimento da ordem ou em manter, prorrogar ou remover certo consentimento de polícia”.
A sanção de polícia é a fase final do mecanismo de fiscalização preventiva, quando então, verificada a ocorrência de infração às ordens e consentimentos de polícia, haverá a intervenção sancionatória estatal sobre a propriedade e atividades privadas. Moreira Neto (1994) indica dois tipos de sanção: a externa, que incide sobre os administrados, e a interna, aplicável aos servidores públicos.
Para o autor a sanção de polícia visa “assegurar, por sua aplicação, a repressão da infração e a restabelecer o atendimento do interesse público, compelindo o infrator à prática do ato corretivo ou dissuadindo-o de persistir no cometimento da infração administrativa” (1994, p. 297).
Outro ponto fulcral com relação ao poder de polícia e que suscita divergências doutrinárias é a possibilidade da delegação de seu exercício. Azevedo (2007) oportunamente nos apresenta três posições da doutrina a respeito do assunto:

[...] A primeira que considera o poder de polícia indelegável por se tratar de instituto relacionado à soberania do Estado, estando superada atualmente, por existirem atividades administrativas ligadas ao poder de gestão.
A segunda, que é liderada pelo professor e desembargador Nagib Slaibi Filho, admite a delegação total, tendo como fundamento a admissibilidade de prisão em flagrante por qualquer um do povo como exemplo de delegação máxima oriunda da própria Constituição, o que permitiria outras delegações de menor grau. Com a devida vênia, há uma confusão entre os conceitos de polícia ostensiva, judiciária e polícia administrativa (polícia-função).
E a terceira corrente, majoritária, e posição atual do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é liderada pelos professores Marcos Juruena Vilela Souto e Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para quem o poder de polícia é parcialmente delegável, devendo ser dividido em quatro ciclos: 1°- ordem de policia, 2°- consentimento de polícia, 3°-fiscalização de polícia e 4°- sanção de polícia.
Assim, os 2° e 3° ciclos seriam delegáveis, pois estariam ligadas ao poder de gestão do Estado, enquanto que os 1° e 4° ciclos seriam indelegáveis por retratarem atividade de império, típicas, portanto.

Não se deve confundir a delegação de serviços públicos com a delegação do exercício do poder de polícia. Aquela é modalidade em que são contratantes (sob a forma de delegação, concessão ou credenciamento) a Administração Pública e o particular, a fim de que este execute determinado serviço em nome próprio, por sua conta e risco, com a conseqüente contraprestação paga pelo usuário.
O poder de polícia, como visto acima, é atividade comedida ao Estado para limitar e condicionar o uso dos bens, atividades e liberdades individuais, adequando-os ao interesse público peculiar. Não pode, portanto, ser estendida ao particular, tornando-se indelegável fora do âmbito dos órgãos e entidades da administração direta e indireta. Conforme citado acima, ainda que assim o seja, para o mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto essa delegação circunscreve-se tão somente ao 2º e 3º ciclos, respectivamente, o consentimento e a fiscalização de polícia.
Para Azevedo (2007), “seja como for, para que o poder de policia seja delegável é essencial que a pessoa jurídica tenha vinculação oficial com a Administração Pública, que a delegação de atribuição seja previamente autorizada em lei formal”, assim como seja imprescindível que “a pessoa jurídica necessite do uso da imperatividade, já que a fiscalização e o consentimento são também uma das vertentes do poder de império”.
Conforme assentado por Meirelles (2000b, p. 122-3) “deve-se distinguir o poder de polícia originário do poder de polícia delegado, pois aquele nasce com a entidade que o exerce e este provém de outra, através de transferência legal”. Aduz o autor que o poder de polícia originário é exercido plenamente, em todas as suas nuances, ao passo que o delegado encontra limite nos termos da lei que o instituiu, abrangendo apenas atos de execução, o que, per si, não o exime da faculdade de aplicar sanções aos infratores, uma vez que se trata de desdobramento da atribuição de seu exercício.
Igual entendimento é esposado por Rizzardo (2003), para quem essa delegação de atividades restringe-se unicamente às atividades executivas, não sendo permitido que englobe os poderes normativos, os quais são de competência privativa dos órgãos superiores.
O CTB permite que os órgãos e entidades de trânsito que compõem o SNT possam delegar a execução de atividades e o exercício de suas competências a outros órgãos e entidades de trânsito, no âmbito do SNT, e até mesmo para particulares, excluído para estes qualquer atividade relacionada com o exercício do poder de polícia de trânsito. O assunto será estudado em capítulo próprio, entretanto, por ora, colacionamos os seguintes excertos:

Art. 19. Compete ao órgão máximo executivo de trânsito da União:
[...]
II - proceder à supervisão, à coordenação, à correição dos órgãos delegados, ao controle e à fiscalização da execução da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito;
[...]
VII - expedir a Permissão para Dirigir, a Carteira Nacional de Habilitação, os Certificados de Registro e o de Licenciamento Anual mediante delegação aos órgãos executivos dos Estados e do Distrito Federal;
[...]
XX - expedir a permissão internacional para conduzir veículo e o certificado de passagem nas alfândegas, mediante delegação aos órgãos executivos dos Estados e do Distrito Federal;
[...]
§ 1º Comprovada, por meio de sindicância, a deficiência técnica ou administrativa ou a prática constante de atos de improbidade contra a fé pública, contra o patrimônio ou contra a administração pública, o órgão executivo de trânsito da União, mediante aprovação do CONTRAN, assumirá diretamente ou por delegação, a execução total ou parcial das atividades do órgão executivo de trânsito estadual que tenha motivado a investigação, até que as irregularidades sejam sanadas.
[...]
Art. 20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas federais:
[...]
V - credenciar os serviços de escolta, fiscalizar e adotar medidas de segurança relativas aos serviços de remoção de veículos, escolta e transporte de carga indivisível;
[...]
Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:
[...]
II - realizar, fiscalizar e controlar o processo de formação, aperfeiçoamento, reciclagem e suspensão de condutores, expedir e cassar Licença de Aprendizagem, Permissão para Dirigir e Carteira Nacional de Habilitação, mediante delegação do órgão federal competente;
III - vistoriar, inspecionar quanto às condições de segurança veicular, registrar, emplacar, selar a placa, e licenciar veículos, expedindo o Certificado de Registro e o Licenciamento Anual, mediante delegação do órgão federal competente;
[...]
VII - arrecadar valores provenientes de estada e remoção de veículos e objetos;
[...]
X - credenciar órgãos ou entidades para a execução de atividades previstas na legislação de trânsito, na forma estabelecida em norma do CONTRAN;
[...]
Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:
[...]
III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados;
[...]
Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
[...]
XII - credenciar os serviços de escolta, fiscalizar e adotar medidas de segurança relativas aos serviços de remoção de veículos, escolta e transporte de carga indivisível;
[...]
Art. 25. Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.
Parágrafo único. Os órgãos e entidades de trânsito poderão prestar serviços de capacitação técnica, assessoria e monitoramento das atividades relativas ao trânsito durante prazo a ser estabelecido entre as partes, com ressarcimento dos custos apropriados.

Assim, verifica-se que muitas atividades que deveriam ser prestadas pelo Poder Público podem e, na maioria das vezes, são prestadas por meio de delegação a terceiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Tal hipótese se dá, por exemplo, nos seguintes casos:
• delegação do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) aos órgãos executivos dos Estados e do Distrito Federal para realizar, fiscalizar e controlar o processo de formação, aperfeiçoamento, reciclagem e suspensão de condutores, expedir e cassar Licença de Aprendizagem, Permissão para Dirigir e Carteira Nacional de Habilitação;
• credenciamento de serviços de escolta, de remoção de veículos e transporte de carga indivisível.

4.O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

4.1 Contexto histórico

A legislação de trânsito no Brasil não é recente, conforme nos lembra Rizzardo (2003). De acordo com o autor, a primeira legislação de que se tem notícia é o Decreto nº 8.324, de 27 de outubro de 1910, que disciplinava o serviço de transporte por automóveis.
De acordo com as informações históricas colacionadas por Pinheiro (2000, p. 1), “nesse decreto, os condutores eram ainda chamados de motorneiros, exigindo o art. 21 que se mantivessem constantemente senhores da velocidade do veículo, devendo diminuir a marcha ou mesmo parar o movimento todas as vezes que o automóvel pudesse ser causa de acidente”.
Seguiu-se, após, a edição do Decreto Legislativo nº 4.460, de 11 de janeiro de 1922, que disciplinava a construção de estradas e a carga máxima permitida para os veículos, diploma normativo que consignou pela primeira vez a expressão “mata-burros”. Durante o governo do Presidente Washington Luiz editou-se o Decreto legislativo nº 5.141, de 05 de janeiro de 1927, o qual mencionou pela primeira vez o termo “autocaminhões” (PINHEIRO, 2000).
O primeiro diploma na forma de estatuto, de âmbito nacional, surgiu com o Decreto nº 18.323, de 24 de julho de 19282, que englobava 93 artigos e disciplinava assuntos específicos de trânsito, tais como a circulação internacional de automóveis no território brasileiro, a sinalização, segurança e polícia nas estradas de rodagem (RIZZARDO, 2003).
O referido decreto perdurou até a edição do primeiro Código Nacional de Trânsito, instituído pelo Decreto-Lei nº 2.994, de 28 de janeiro de 1941, o qual foi posteriormente substituído pelo Decreto-Lei nº 3.651, de 25 de setembro de 1941. Em 21 de setembro de 1966 é editada a Lei nº 5.108, que instituiu o Código Nacional de Trânsito (CNT), a qual, juntamente com o Regulamento do Código Nacional de Trânsito (RCNT), promulgado com a edição do Decreto nº 62.127, de 16 de janeiro de 1968, passam a ordenar e disciplinar o trânsito de veículos nas vias terrestres (PINHEIRO, 2000).
Após diversas alterações produzidas ao longo de sua vigência e tendo sido objeto de uma primeira Comissão Revisora em 1973, cujo anteprojeto não foi acolhido, em 06 de junho de 1991 foi instituída Comissão Especial com o objetivo de apresentar novo anteprojeto do Código Nacional de Trânsito. Atendia-se, assim, a premência de alterações na legislação de trânsito, fruto dos reclamos da sociedade em virtude do alto índice de acidentes e elevada impunidade dos infratores (PINHEIRO, 2000).
Findo os trabalhos da referida Comissão, foi enviado ao Congresso através de Mensagem presidencial através do Aviso nº 543, de 22 de abril de 1993, sendo apreciado, na Câmara dos Deputados, como Projeto de Lei nº 3.710/93, local onde foi objeto de significativas alterações por Comissão Especial designada para o seu exame, tendo sido remetido ao Senado sob a rubrica de Projeto de Lei da Câmara nº 73/1994 (PINHEIRO, 2000).
Naquela Casa revisora foi apresentado Substitutivo ao projeto encaminhado pela Câmara, o qual retornou à Casa de origem, com o fito de ser analisado por nova Comissão Especial, sendo que após os trâmites regimentais o referido projeto de lei foi transformado na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (PINHEIRO, 2000).
A vigência do CTB foi fruto de diversas polêmicas entre os doutrinadores, uma vez que seu artigo 340 determinava a entrada em vigor após 120 dias após a data de sua publicação, a qual se deu em 24 de setembro de 1997, sendo que a maioria dos intérpretes considera que sua vigência iniciou-se a contar de 22 de janeiro de 1998 (RIZZARDO, 2003, PINHEIRO, 2000), já com as modificações impostas pela Lei nº 9.602, de 21 de janeiro de 1998.
Ao longo desses quase dez anos de vigência o CTB foi alterado por diversas vezes através das Leis nº 9.792 (14.04.99), 10.350 (24.12.01), 10.517 (11.07.02), 10.830 (23.12.03), 11.275 (07.02.06) e, mais recentemente, pela Lei nº 11.334 (25.07.06), que estabeleceu novo regramento quanto ao infracionamento por excesso de velocidade.
O CTB possui 340 artigos, divididos em 20 capítulos, com especial relevo para aqueles que tratam das normas gerais de circulação e conduta, das infrações, do processo administrativo e dos crimes de trânsito, bem como dois anexos: dos conceitos e definições (I) e sinalização (II), tendo sido o teor deste último alterado pela Resolução CONTRAN nº 160/04. Apesar de soar contraditório uma resolução revogar o anexo de uma lei ordinária, tal se deu em virtude da interpretação que os membros do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) tiveram acerca do teor do artigo 306 do CTB.
É de bom alvitre esclarecer-se que o regramento de trânsito não se esgota tão somente com o CTB, sendo este apenas uma parte do complexo e sistêmico conjunto de atos normativos, estritos e amplos, a que se convencionou chamar de legislação de trânsito, dela fazendo parte outras leis e decretos esparsos, a exemplo do Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (RTTP), instituído pelo Decreto nº 96.044/1988, bem como diversas resoluções, deliberações e portarias expedidas pelo CONTRAN, DENATRAN, DNIT, CETRAN, DETRAN, DER e outros órgãos e entidades de trânsito estaduais e municipais, na esfera de suas competências.

4.1 Definições e conceitos do Direito do Trânsito

Muitos são os doutrinadores que defendem a autonomia do Direito de Trânsito, a exemplo do preclaro Waldyr de Abreu. Para o autor “a autonomia legislativa do direito de trânsito é bem caracterizada pelos códigos de trânsito, que regulam, pelo menos, parte relevante desta novel disciplina”, assim como sua “autonomia científica [...] está suficientemente demonstrada nos princípios fundamentais norteadores dos referidos códigos” (1998, p. 313).
Discorrendo sobre o assunto, aponta o jurista os seguintes princípios informadores dessa disciplina jurídica: preservação da segurança, garantia da fluidez, respeito à corrente de trânsito, da confiança e da direção defensiva.
Segundo os princípios da preservação da segurança e da garantida da fluidez todos os usuários das vias (condutores, pedestres, ciclistas, etc.) devem comportar-se de modo a não causar prejuízo ou incômodo à circulação. No CTB esses princípios são encontrados na regra geral disposta no artigo 26, o qual preconiza que:

Art. 26. Os usuários das vias terrestres devem:
I - abster-se de todo ato que possa constituir perigo ou obstáculo para o trânsito de veículos, de pessoas ou de animais, ou ainda causar danos a propriedades públicas ou privadas;
II - abster-se de obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, atirando, depositando ou abandonando na via objetos ou substâncias, ou nela criando qualquer outro obstáculo.

Essas normas de comportamento se desdobram em muitos outros dispositivos e estendem seu alcance a outros bens jurídicos tutelados pelo CTB, tais como a preservação da saúde e do meio ambiente (art. 1º, § 5º), o conforto e à educação para o trânsito (art. 6º, inc. I) e a proteção à via e à incolumidade física da pessoa (art. 269, § 1º).
O respeito à corrente de trânsito aduz que, em circulação, deve-se partir da base a marcha paralela ao eixo da via é a normalidade para o tráfego, ao passo que as manobras de qualquer tipo são anormalidades que perturbam a circulação. No CTB esse princípio vem expressão, principalmente, nos artigos 34 e 35, os quais preconizam, sinteticamente, que a realização de qualquer manobra deve levar em conta a posição, velocidade e direção do veículo, de forma a criar um perigo para os demais usuários da via, assim como tal manobra deve ser deve ser indicada de forma clara e com a devida antecedência.
Segundo o princípio da confiança “o usuário da via tem o direito de contar que os demais usuários se comportem, como ele, de maneira correta, a menos as circunstâncias particulares sejam de tal natureza a lhe permitir reconhecer que não é assim” (WELZEL apud ABREU, 1998, p. 160). Exemplos dessa regra de comportamento podem ser encontrados nos artigos 42, segundo o qual nenhum condutor deverá frear bruscamente seu veículo, salvo por razões de segurança, e no inciso II do artigo 43, o qual estabelece que sempre que o condutor desejar diminuir a velocidade deve antes se certificar que pode fazê-lo sem risco para outros condutores, a não ser que haja perigo iminente.
O princípio da direção defensiva estabelece, principalmente aos condutores de veículo, que além de não se envolverem em acidentes, estejam aptos a prevenir os acidentes evitáveis, diga-se: previsíveis e evitáveis, ou seja, aqueles cuja causa está ligada à conduta de outros usuários da via ou condições atmosféricas, das vias ou dos veículos. No CTB encontramos presentes esse princípio nos artigos 27 e 28, abaixo transcritos:

Art. 27. Antes de colocar o veículo em circulação nas vias públicas, o condutor deverá verificar a existência e as boas condições de funcionamento dos equipamentos de uso obrigatório, bem como assegurar-se da existência de combustível suficiente para chegar ao local de destino.
Art. 28. O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito.

Com relação às expressões utilizadas no CTB, seus conceitos e definições são aqueles estabelecidos em seu Anexo I, do qual ousamos transcrever apenas aqueles relacionados aos objetivos do presente estudo:

AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO - pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento.
[...]
AUTORIDADE DE TRÂNSITO - dirigente máximo de órgão ou entidade executivo integrante do Sistema Nacional de Trânsito ou pessoa por ele expressamente credenciada.
[...]
FISCALIZAÇÃO - ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as competências definidas neste Código.
[...]
OPERAÇÃO DE TRÂNSITO - monitoramento técnico baseado nos conceitos de Engenharia de Tráfego, das condições de fluidez, de estacionamento e parada na via, de forma a reduzir as interferências tais como veículos quebrados, acidentados, estacionados irregularmente atrapalhando o trânsito, prestando socorros imediatos e informações aos pedestres e condutores.
[...]
PATRULHAMENTO - função exercida pela Polícia Rodoviária Federal com o objetivo de garantir obediência às normas de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.
[...]
POLICIAMENTO OSTENSIVO DE TRÂNSITO - função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.


4.2 A municipalização do trânsito

A Carta Magna de 1988 alterou substancialmente a posição do município na Federação, passando a considerá-lo como parte integrante e indissolúvel da estrutura federativa vigente, acolhendo-se antiga reivindicação de municipalistas clássicos, do escol de Hely Lopes Meirelles.
“Nos termos, pois, da Constituição, o Município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação, como entidade político-administrativa, dotada de autonomia política, administrativa e financeira” (SILVA, 2002, p. 619). “A autonomia municipal, da mesma forma que a dos Estados-membros, configura-se pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto-administração” (MORAES, 2004, p. 276).
A fim de não fugirmos ao objeto do presente estudo, analisaremos mais detidamente, apenas, a capacidade de auto-administração, que compreende o exercício das competências administrativas, legislativas e tributárias, pressuposto e elemento caracterizador do convívio no Estado Federal.

Segundo Moraes (2004, p. 290), “o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse”, de tal forma que “à União caberá aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral ao passo que aos Estados referem-se a matérias de predominante interesse regional, e aos municípios concernem os assuntos de interesse local”.
Dispõe o artigo 30 da Carta Magna que compete ao município suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber (Inc. II), bem como legislar sobre assuntos de interesse local. Para Ferreira (apud MORAES, 2004, p. 304), “interesse local refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)”.
Para Meirelles (2000a, p. 279), “a propósito, a Constituição de 1988, inovando nesse aspecto, elegeu determinados serviços públicos de interesse local em dever expresso do Município”. Prossegue o culto jurista indicando que

É o que ocorre com o transporte coletivo, dando-lhe, inclusive, caráter de essencialidade (art. 30, V); com os programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental (art. 30, VI); com o serviço de atendimento à saúde da população; com o ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (art. 30, VIII); e com o a proteção do patrimônio histórico- cultural local (art. 30, IX).

Podem ser indicados vários motivos para definir a intenção do legislador constituinte ao ampliar sensivelmente as atribuições do município dentro da estrutura federativa. Dentre eles, sem dúvida, talvez o principal se refira à própria leitura da realidade da maioria dos cidadãos: todos eles residem nos municípios e ali utilizam a maioria dos serviços públicos, normalmente prestados pela municipalidade, ou seja, todos se vêem ligados ao município e apenas indiretamente se dirigem a algum serviço prestado pelo Estado ou pela União.
Essa preocupação legislativa vem se acentuando modernamente através do que se convencionou denominar de “municipalização de serviços públicos”, de tal forma que se permite aos municípios a assunção da prestação de diversos serviços públicos concernentes ao Estado e à União. Essa municipalização ampliou-se consideravelmente nas áreas da saúde e da educação, tendo o município assumido a sua prestação integral com o apoio de repasse financeiro dos demais entes federados, o que, stricto sensu, diverge diametralmente das questões sub examem, posto que não há transferência de competências restritas e, sim, o compartilhamento nas funções que a rigor deveriam ser realizadas quer pelo Estado ou pelo Governo Federal.
Outro caminho não poderia seguir o legislador durante a elaboração do CTB, tendo em vista a forte pressão exercida pelos municipalistas e pela corroboração da necessidade de municipalização do trânsito em consonância com as questões de uso e ocupação do solo e das funções urbanas, conforme restou assentado em Parecer relatado pelo Deputado Federal Ary Kara no Projeto de Lei nº 73/94 (PINHEIRO, 2000).
E nesse ponto o CTB foi pródigo, uma vez que, além de inserir definitivamente o município no SNT, ampliou sensivelmente a competência dos municípios. Para Rizzardo (2003, p. 106), dentre os poderes que lhes foram reservados, apresentam especial importância "as funções de organização do trânsito urbano e de aplicação e arrecadação de multas em inúmeros casos, relacionados às infrações contra as normas internas e ligados aos estacionamentos, à parada, à circulação [...], inclusive aplicando as multas e arrecadando-as”.
Para se entender o alcance dessa inovação, basta uma pequena digressão sobre o CNT e o RCNT para que se verifique que a participação dos municípios cingia-se à possibilidade de criação de um Conselho Municipal de Trânsito, com competência normativa e recursal nos limites de sua competência, facultado apenas a municípios com mais de 200 mil habitantes e com a aprovação do CONTRAN, além da possibilidade de criação de órgão executivo rodoviário para aqueles que possuíssem estradas municipais.
Logo se vê, portanto, que a ampliação de competências municipais extrapolou as expectativas de todos os municipalistas que pretendiam ver o trânsito municipalizado, ainda que a grande maioria dos municípios brasileiros não possua estrutura e condições de assumir essas funções. De acordo com dados constantes do site do DENATRAN (2007), dos 5.568 (sic) municípios brasileiros apenas 856 se integraram ao SNT, ou seja, apenas 15,37% do total, o que demonstra que, decorrido quase uma década da promulgação do CTB, o fim visado pelo legislador não foi alcançado, ressaltando, por dever imperioso, se considerar dentre os dados estatísticos, ponderações quanto as questões relativas ao êxodo rural e a concentração populacional, visto que, em matéria de trânsito o Brasil poderia ter condicionada a sua frota nos Estados do Nordeste, Sudeste (São Paulo e sul de Minas Gerais), Centro-Oeste e Sul, cujo fator relativo aos Estados do Norte pouca influência registram na frota de automóveis, inclusive para a municipalização da forma esperada.
Mas essa assunção de funções não é automática; para tanto deve o município se integrar ao SNT, conforme prescrevem a Resolução CONTRAN nº 106/99, o § 2º do artigo 24 e o artigo 333, caput e §§, cumprindo os requisitos mínimos necessários para que possa desempenhar as atividades de planejamento, engenharia de tráfego, operação, educação e fiscalização de trânsito, além do controle e análise de estatísticas.
De acordo com o DENATRAN, para que o município se integre ao SNT é necessária a criação de um órgão municipal executivo de trânsito ou, conforme o porte do município, poderá ser reestruturada uma secretaria já existente, criando uma divisão ou coordenação de trânsito, um departamento, uma autarquia, de acordo com as necessidades e interesse do prefeito. Junto a esse órgão de trânsito deverá funcionar uma Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI), órgão colegiado responsável pelo julgamento dos recursos interpostos contra penalidades impostas pelo órgão executivo de trânsito.
Por meio de decreto serão nomeados os membros do órgão de trânsito e da JARI, assim como o cidadão que exercerá as funções de autoridade máxima de trânsito no município. Cópia de toda a documentação (leis, decretos, regulamento da JARI, etc.) será encaminhada ao DENATRAN para integração ao SNT e ao Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN) para credenciamento da JARI municipal.
Até o ano de 2003 o DENATRAN disponibilizava em seu site um texto denominado de Roteiro de Municipalização de Trânsito, por meio do qual indicava que a entidade ou órgão municipal de trânsito poderia optar por ter sua fiscalização feita pela Polícia Militar, com base no artigo 23 do CTB, ou ter seu próprio quadro de fiscais, observando-se a necessidade de concurso público para seleção de pessoal com perfil adequado à função, treinamento e capacitação do pessoal selecionado por meio de cursos e estágios, designação e credenciamento dos agentes de operação por portaria com relação nominal, ou seja, acaso optasse por ter seu próprio quadro de funcionário, deveria proceder a concurso público visando o preenchimento da função específica de agente de trânsito.
Sabe-se que o DENATRAN, por meio dos Pareceres nº 256/2004 e 247/2005/CGIJF/DENATRAN, posiciona-se contra a utilização das guardas municipais na função de agentes de trânsito, contrariando frontalmente o Plano Nacional de Segurança Pública, projeto de governo que pretende a ampliação das funções das guardas municipais no que tange à segurança pública e que instituiu, inclusive, uma Matriz Curricular Nacional para a formação de seus quadros e vem ampliando a destinação de verbas para aquisição de equipamentos e implantação de projetos de capacitação e aperfeiçoamento.
Atualmente o Ministério das Cidades, a quem compete a coordenação máxima do SNT, conforme Decreto nº 4.711/03, e a quem se vincula o CONTRAN e se subordina o DENATRAN, expediu o Parecer CONJUR/CIDADES nº 1.409/2006, por meio do qual se manteve o mesmo entendimento esposado nos pareceres elaborados pela assessoria jurídica do DENATRAN, ou seja, que “falece à guarda municipal competência para atuar na fiscalização de trânsito, incluindo o procedimento relativo à aplicabilidade de multas, também não detendo legitimidade para firmar convênio com os órgãos de trânsito objetivando tal fim”.
Nesse campo frise-se que o CETRAN de Santa Catarina é ainda mais explícito, indicando em seu roteiro para municipalização que um dos passos a ser adotado pelo município é a negociação de um Termo de Convênio entre a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar para a delegação de suas atividades.
Assim, esgotando-se o presente tópico, resta claro que a fiscalização do trânsito nos municípios integrados ao SNT deve ser efetuada por meio de pessoal próprio devidamente preparado e treinado ou por meio de convênio com a Polícia Militar, hipótese também aceita por RIZZARDO (2003).


4.3 Sistema Nacional de Trânsito

“O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos instituídos no âmbito da administração pública da União, dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, regidos pelos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade” (PINHEIRO, 2000, p. 61).
Abrange, assim, todos os órgãos e entidades das três esferas de poder (federal, estadual e municipal) que atuam diretamente nas mais diversas áreas inerentes ao controle e fiscalização dos condutores, veículos, tráfego e processo administrativo para imposição de penalidades. O sistema contempla todas as nuances relativas ao desenvolvimento normal do trânsito, desde a educação de trânsito, processos de formação e reciclagem de condutores, registro e licenciamento de veículos, engenharia, policiamento, operação e fiscalização de trânsito.
A esse respeito note-se que o antigo conceito de trânsito, baseado na integração entre veículo, via e o homem, vem sendo substituído, gradualmente, pela união entre educação, engenharia e fiscalização, como sói acontecer em casos que tais, posto que este último trinômio baliza e atinge as expectativas de um novo Código Civil, de cunho social, que ao fácil se verifica pela urbanidade entre seus administrados, o poder do Estado na fiscalização de sua competência e no caso em estudo, a engenharia como fator de melhor fruição e comportamental do fluxo de veículos nas rodovias urbanas e rurais.
A intenção do legislador em criar condições propícias para um trânsito seguro acentuou-se no presente codex, estabelecendo referenciais e diretrizes voltadas para a busca da fluidez e do conforto dos usuários das vias. Também mereceu especial relevo a educação de trânsito, necessária à formação de potenciais usuários das vias públicas, e a proteção ambiental, tema atual e correlato ao tráfego de veículos em virtude de sua potencialidade de degradação ambiental, com a criação de regras relativas à redução da poluição sonora (buzinas, equipamentos de som, silenciadores defeituosos, etc.) e atmosférica (emissão de fumaça, gases, etc.).
De acordo com o artigo 7º, o SNT é composto pelos seguintes órgãos e entidades:

I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo;
II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores;
III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
V - a Polícia Rodoviária Federal;
VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e
VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI.

Antes de tecermos explanações acerca da composição do SNT, mister se faz trazer à colação a distinção entre entidade e órgão: entidade é pessoa jurídica, pública ou privada, integrante da administração pública direta ou indireta, classificada em estatais (União, Estados e Municípios), autárquicas, fundacionais (públicas ou privadas), empresariais (empresa pública e sociedade de economia mista) e paraestatais (serviços sociais autônomos e organizações sociais). O órgão é ente despersonalizado, sujeito de direitos e obrigações, incumbido da realização de funções estatais relacionadas com a entidade a que pertence, através de seus agentes.
O artigo 7º traz um rol taxativo quanto aos órgãos e entidades integrantes do SNT, delimitando-os quanto a sua finalidade: normativos, consultivos, coordenadores, executivos, executivos rodoviários, patrulhamento (DPRF), policiamento (PM) e de recursal (CONTRAN, CETRAN/CONTRADIFE e JARI).
O Distrito Federal, devido à sua constituição sui generis, pode possuir órgãos executivos de trânsito municipal, estadual e rodoviário dentro da área abrangida por seus limites territoriais.
Os órgãos normativos, consultivos, coordenadores e recursivos são o CONTRAN, no âmbito federal, e o CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal (CONTRADIFE), com sede nos Estados e no Distrito Federal, respectivamente. A JARI, existente em cada um dos órgãos executivos, possui competência recursal em relação às penalidades aplicadas pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via.
Os órgãos executivos de trânsito podem ser assim classificados: DENATRAN e Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN), respectivamente, na União e nos Estados e Distrito Federal, além de Secretarias, Departamentos, Divisões de Trânsito e Autarquias, no âmbito municipal.
Os órgãos executivos rodoviários podem ser assim divididos: DNIT, no âmbito da União, e Departamento de Estradas de Rodagem (DER), Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER), Secretarias ou outras autarquias nos casos dos Estados. Apesar de haver previsão para a existência desses órgãos na esfera municipal não se tem notícia de que tenham sido criados nos municípios brasileiros.
A Polícia Rodoviária Federal é órgão responsável pela fiscalização e patrulhamento ostensivo das estradas e rodovias federais, tendo por objetivo garantir obediência às normas de trânsito, assegurar a livre circulação e evitar acidente, enquanto que às Polícias Militares incumbem a função de agentes da autoridade de trânsito no âmbito estadual e, mediante convênio, no âmbito municipal, além do policiamento ostensivo de trânsito, objetivando a prevenção e repressão de atos relacionados com a segurança pública e a garantia de obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.
Bem se vê, portanto, que os órgãos e entidades elencados pertencem à Administração Direta e comportam um rol taxativo, ou seja, para o exercício das competências indicadas nos artigos 12 usque 24 deve o agente público pertencer a algum dos órgãos e entidades ali indicados, sendo vedado a inclusão ou criação de outros órgãos que não os ali especificados.
A respeito desse assunto e a título de exemplo, o preclaro Pinheiro (2000, p. 65), comentando a intenção da DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S/A), entidade criada no Estado de São Paulo pela Lei nº 95, de 22 de dezembro de 1972, em criar uma JARI para funcionar junto à mesma, aduz que

é oportuno reafirmar que as concessionárias de execução de serviços de gerenciamento, construção e duplicação de rodovias, não integram o Sistema Nacional de Trânsito e não possuem poder de polícia a ponto de implantar operações regulamentadoras de trânsito de veículos e pedestres, à revelia do órgão executivo com circunscrição sobre a via.

Conforme Rizzardo (2003, p. 37), “inexistem órgãos especiais de funcionários para a execução das funções inerentes à implantação e cumprimento das normas de trânsito. A maior proximidade se dá com as diversas classes de polícias instituídas no País”. Para o autor, “cabe a formação de órgãos próprios nos assuntos que dizem respeito ao trânsito, na esfera do Distrito federal, dos Estados e dos Municípios” (2003, p. 38).
De acordo com o entendimento esposado pelo jurista, a atividade de trânsito sempre foi e é inerente à atividade policial, seja verificando o cumprimento das normas, orientando motoristas e o tráfego, realizando bloqueios e autuando os infratores. Partindo desse pressuposto, “pode-se afirmar que, na prática, a Polícia Militar é quem realmente fiscaliza e exige o cumprimento das leis e normas de trânsito, já que raramente há outros órgãos apropriados para o desempenho de tal atividade” (2003, p. 103).
Assim sendo, desejando o município integrar-se ao SNT, deve direcionar-se a uma das soluções possíveis: criação de um corpo de funcionários próprios, com designação própria e devidamente treinados e preparados, pertencentes aos quadros do órgão ou entidade de trânsito e atendendo ao mandamento constitucional de acesso ao serviço público mediante concurso de provas e títulos; delegação de atividades a outros órgãos que lhes sejam subordinados hierarquicamente e sujeitas a controle e fiscalização; assinatura de convênio com a Polícia Militar e/ou DETRAN, delegando-lhes a execução, total ou parcial, de suas atividades.
Tudo o que acima foi indicado só vem a corroborar a impossibilidade da Guarda Municipal em atuar como agentes da autoridade de trânsito, conforme adiante se vê:
• primeiro porque, conforme citado por Pinheiro (2000), estas não integram o SNT e, portanto, não podem ser organizadas como órgão ou entidade de trânsito;
• segundo, por decorrência lógica, não podem atuar sob a forma de convênio, conforme faculta o artigo 25;
• terceiro, por interpretação constitucional, tendo em vista a expressa delimitação de suas funções institucionais, eventual desvio de função e a falta de lei complementar federal, nos termos do inciso XI e § único do artigo 22 da CF/88, que autorizariam o município a legislar sobre trânsito e transporte além da competência que lhe é concedida (interesse local).

4.4 Órgãos e entidades de trânsito: competências

De acordo com Rizzardo (2003, p. 35), a divisão de competências no CTB, em relação as três esferas de poder, restou assim dimensionada:
• União: “legislar e organizar o trânsito em vias federais, direcionar a política nacional, instituir condutas-padrão, impor exigências quanto aos veículos [...], dispor sobre a segurança dos veículos, a par de outras funções, com jurisdição em todo o País”;
• Estados e Distrito Federal: “estabelecer normas complementares e supletivas”, além da “fiscalização do trânsito, a realização de exames para habilitação, o registro e licenciamento de veículos”;
• Municípios e Distrito Federal: no território de sua circunscrição incumbe-lhes “direcionar o trânsito, organizando-o de modo a melhor atender os usuários, dentro da competência restrita aos interesses locais e, assim, exemplificativamente, no pertinente ao transporte de cargas em determinadas vias, ao sentido de direção dos veículos em certas vias”.
A divisão acima se refletiu também na divisão de competência entre os órgãos e entidades de trânsito. Com efeito, enfeixou-se a competência normativa apenas nos órgãos superiores da União e do Estado, enquanto que as competências executivas e recursais foram distribuídas de acordo com a competência da autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via. Analisaremos, en passant, a competência dos órgãos e entidades de trânsito, com especial relevo, unicamente, para as atribuições relativas aos municípios.
O CONTRAN é o órgão máximo normativo, consultivo e recursal do SNT, incumbindo-lhe a coordenação dos órgãos com o objetivo de integrar suas atividades. O legislador concedeu a este órgão o poder de regulamentar, por meio de resoluções, as especificações necessárias ao exato cumprimento das normas de trânsito, entre elas aquelas relacionadas com a sinalização, equipamentos obrigatórios e condições essenciais para registro, licenciamento e circulação de veículos. O extenso rol de suas atribuições está expresso nos incisos do artigo 12 e em vários outros artigos esparsos do CTB.
Em cada Estado há um CETRAN e no Distrito Federal existe o CONTRADIFE, órgãos com mais poderes dentro dessa esfera estatal, possuindo competência normativa, dentro de sua respectiva competência, consultiva e recursal, contra as decisões das JARI e dos órgãos e entidades executivos estaduais, no caso de inaptidão permanente constatado no exame de aptidão física, mental ou psicológica. Cabe-lhes também a coordenação das atividades dos demais órgãos estaduais e municipais, no que tange às atividades ligadas à circulação de veículos automotores, sempre se reportando ao CONTRAN.
As JARI são “órgãos recursais que atuam diretamente perante os órgãos ou departamentos executivos de trânsito”. Contra as decisões exaradas por esses órgãos, “nas autuações e aplicações de penalidades, a elas se dirigirão os recursos, pois consideradas administrativamente uma segunda instância” (RIZZARDO, 2003, p. 70-1).
O DENATRAN é o órgão máximo executivo de trânsito, com circunscrição sobre todo o território nacional, detentor de poderes para intervir em órgãos executivos estaduais em casos de irregularidades comprovadas em casos de improbidade contra a fé pública, o patrimônio e a administração pública. “Decompondo esta importante finalidade, o art. 19 discrimina uma variada gama de atribuições executivas, a começar por aquelas de caráter geral, e indo até a expedição de documentos em algumas situações particularizadas” (RIZZARDO, 2003, p. 78).
Aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União (DNIT), dos Estados (DER ou DAER), do Distrito Federal e dos Municípios é estabelecida competência para, dentre outras funções e no âmbito de sua circunscrição, operar o trânsito de veículos, pedestres e de animais, cuidar da engenharia de tráfego e fiscalizar as infrações relacionadas com o veículo e o condutor, assim como aquelas relativas a parada, circulação, estacionamento, excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos.
Os órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal (DETRAN) têm suas funções mais adstritas às questões administrativas e burocráticas, relacionadas, dentre outras, com a aplicação de penalidades, aí incluídas a advertência por escrito, a multa, a suspensão do direito de dirigir e a cassação da habilitação, bem como a execução de atividades ligadas ao registro e licenciamento de veículos e à concessão de habilitação legal, estas por delegação do DENATRAN (RIZZARDO, 2003). Sua competência para fiscalização de infrações excluem aquelas comedidas aos municípios, relativas à parada, circulação, estacionamento, excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos.
A Polícia Rodoviária Federal é órgão responsável pela fiscalização e patrulhamento ostensivo das estradas e rodovias federais, tendo por objetivo garantir obediência às normas de trânsito, assegurar a livre circulação e evitar acidente, enquanto que às Polícias Militares incumbem a função de agentes da autoridade de trânsito no âmbito estadual e, mediante convênio, no âmbito municipal, além do policiamento ostensivo de trânsito, objetivando a prevenção e repressão de atos relacionados com a segurança pública e a garantia de obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.
Aos municípios incumbe, por meio de seus órgãos ou entidades executivos de trânsito, dentro de sua circunscrição, organizar o trânsito e aplicar e arrecadar as multas impostas por infrações ligadas ao uso da via, seja em virtude de parada, circulação e estacionamento, assim como aquelas relativas à lotação, excesso de peso e dimensões dos veículos.
Dentre as inúmeras funções que lhe são atribuídas, relacionamos a que em nosso entender, excetuada a fiscalização de trânsito, são as mais importantes:
• planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;
• implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário;
• implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias;
• promover e participar de projetos e programas de educação e segurança de trânsito de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo CONTRAN;
• planejar e implantar medidas para redução da circulação de veículos e reorientação do tráfego, com o objetivo de diminuir a emissão global de poluentes;
• fiscalizar o nível de emissão de poluentes e ruído produzidos pelos veículos automotores ou pela sua carga, de acordo com o estabelecido no art. 66, além de dar apoio às ações específicas de órgão ambiental local, quando solicitado.
A consecução dessas atividades, invariavelmente esquecida pela imensa maioria dos municípios integrados ao SNT, adquirem vital importância para o alcance dos objetivos da Política Nacional de Trânsito.
O direito a um trânsito seguro, regular e ordenado foi erigido como direito fundamental, ao mesmo passo que, em contrapartida, estabeleceu uma série de obrigações ao Poder Público, entre elas a garantia das condições de segurança e de trafegabilidade normal, manutenção das condições físicas e de sinalização das vias, assim como as atividades de engenharia e educação para o trânsito (RIZZARDO, 2003).
Para o cumprimento desses objetivos e a execução das competências acima arroladas, permitiu o legislador que os entes federados pudessem ter amplo poder de conformação para a estruturação desses serviços, através de órgãos próprios, conforme estatui o artigo 8º: “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão os respectivos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários, estabelecendo os limites circunscricionais de suas atribuições”.
“As polícias estaduais colocam em prática a fiscalização, e departamentos estaduais constituem-se para prestar os serviços de emplacamentos e de concessão de licença para dirigir”. Com relação “às sinalizações das vias, na órbita municipal, há órgãos que integram as prefeituras, destinados para tais atividades” (RIZZARDO, 2003, p. 38).
Caso o ente federado não deseje assumir a totalidade das suas atribuições, faculta o artigo 25 a possibilidade de celebração de convênio entre os órgãos e entidades de trânsito, seja em virtude do ente não possuir estrutura adequada ou recursos financeiros, sempre com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.
Reside aqui, portanto, outra impossibilidade de atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito. Explica-se: normalmente as prefeituras municipais instituem como órgãos de trânsito as Secretarias de Trânsito, de Transportes ou criam Departamentos de Trânsito, designando-se como autoridade de trânsito o seu dirigente maior; incumbe a este, dentro das suas atribuições, decidir pela celebração de convênio ou preparação de corpo próprio de profissionais devidamente preparados.
Assim, desejando exercer com exclusividade a fiscalização de trânsito, restam à autoridade de trânsito duas possibilidades: nomeação de novos funcionários, com cargo e atribuições próprias para a fiscalização de trânsito, ou utilização dos funcionários já pertencentes ao órgão, desde que as atribuições de seus cargos permitam a realização dessas funções, ou seja, a copeira, o motorista, o auxiliar administrativo e o servidor em cargo de comissão ou de livre exoneração não podem ser credenciados como agentes da autoridade de trânsito, apesar de pertencerem àquele órgão ou entidade.
O mesmo se diga em relação às guardas municipais, uma vez que a totalidade delas não possui vínculo de subordinação com os órgãos ou entidades de trânsito e executam atividade de império (típica de Estado), portanto, não podem ser desviados de sua função precípua, que é a proteção de bens, serviços e instalações municipais. O simples fato do CTB mencionar que o agente da autoridade de trânsito poderá ser servidor civil não nos autoriza a dizer que este se refira a qualquer servidor público; raciocínio tão simplista permitira que um médico, um engenheiro ou um gari atuasse na fiscalização de trânsito, já que pertencentes aos quadros da Prefeitura Municipal.
É sabido que todo cargo enfeixa uma série de atribuições e funções, portanto, a atuação funcional do servidor é, primeiramente, vinculada ao seu estatuto jurídico. Nem se diga, igualmente, que possa a legislação municipal atribuir à Guarda Municipal tal atribuição, eis que exorbitante do mandamento constitucional e desprovido de lei complementar federal que lhe dê suporte, o que tornaria o ato legítimo. A competência legislativa municipal se centra basicamente em assuntos de interesse local e este, como anteriormente debatido, é de competência privativa da União (art. 22, inc. XI e § único, c/c art. 144, § 8º).


5 AGENTES DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO

5.1 Agentes públicos: definição e tipos

O conceito dos doutrinadores acerca do termo “agente público” não discrepa entre si, apresentando tão somente algumas variações quanto às suas classificações. Nesse sentido, saliente-se que a conceituação abrange toda a gama de pessoas físicas que prestam serviços à administração direta e indireta, de forma onerosa ou não, ainda que transitoriamente e independente do vínculo jurídico que os unem.
Assim, ainda que não adequado para o presente estudo, convém trazer à colação o conceito que o Código Penal adota para definir quem é considerado funcionário público para fins penais:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Essa terminologia, entretanto, vem sendo paulatinamente substituída pela expressão agente público, mormente após as alterações efetuadas na Carta Magna pelas Emendas Constitucionais nº 19 e 20/98.
Com efeito, sabe-se que a expressão utilizada pela Constituição Federal, “servidores públicos”, ora é utilizada de forma ampla, abarcando todas as pessoas físicas que mantém vínculo empregatício com as entidades da administração direta e indireta, e ora é empregada em sentido estrito, designando como tal apenas para designar àqueles que prestam serviços à administração direta, nas autarquias e fundações públicas (DI PIETRO, 2003).
De igual forma, também estabelece preceitos aplicáveis a outras pessoas que exercem função pública, surgindo daí a necessidade de se encontrar um vocábulo que englobasse, de forma ampla, todas as pessoas físicas que prestam serviços à administração direta e indireta, razão pela qual alguns doutrinadores passaram a empregar o termo “agentes públicos” (DI PIETRO, 2003).
De acordo com a lição de Da Silva (2006, p. 139)

Agentes públicos são todas as pessoas físicas que desempenham alguma atividade vinculada às três esferas de Governo - União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios - em qualquer dos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - mesmo que transitoriamente e remuneradas ou não, por meio de eleição, nomeação, designação, contratação, ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo. Mandato, cargo, emprego ou função.

Para Di Pietro (2003, p. 431), “agente público é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta”.
Gasparini (2003, p. 129) define-os como sendo “todas as pessoas físicas que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam serviços à Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua responsabilidade”.
Podem também ser definidos como “todos aqueles que, servidores ou não, estão intitulados a agir, manifestando, em alguma parcela, um poder atribuído ao Estado” (MOREIRA NETO, 1994, p. 195).
Com se vê, a conceituação apresentada pelos agentes públicos não apresenta grandes diferenciações entre si. Entretanto, quando se passa para o passo seguinte, que é a classificação dos agentes públicos, fica clarividente a dicotomia entre os doutrinadores.
Com base em análise da sistematização constitucional, Gasparini (2003) classifica-os agentes políticos, agentes temporários, agentes de colaboração (por vontade própria, compulsoriamente e com a concordância da Administração Pública), servidores governamentais, servidores públicos (estatutários e celetistas) e agentes militares (federais, estaduais e distritais).
Rosa (2003), adotando tradicional classificação, divide-os em políticos, administrativos, honoríficos, delegados e credenciados. Da Silva (2006), por sua vez, classifica-os em agentes políticos, agentes administrativos e agentes por colaboração.
Para os fins do presente estudo, acolhemos a divisão apontada por Di Pietro (2003), que, partindo da classificação de Celso Antonio Bandeira de Mello, divide-os em quatro tipos: agentes políticos, servidores públicos, militares e particulares em colaboração com o Poder Público. Assim, adotamos, igualmente, as seguintes definições:
Agentes políticos, para Celso Antonio Bandeira de Mello (apud DI PIETRO, 2003, p. 432), “são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a formação da vontade superior do Estado”.
Servidores Públicos “são as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos”, aí compreendidos:

1. os servidores estatutários, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos;
2. os empregados públicos, contratados sob o regime da legislação trabalhista e ocupantes de emprego público;
3. os servidores temporários, contratados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, da Constituição); eles exercem função, sem estarem vinculados a cargo ou emprego público (DI PIETRO, 2003, p. 433-4).

Os militares englobam todos aqueles pertencentes às Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), na esfera federal, e os pertencentes às Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito estadual. Segundo definição de Di Pietro (2003, p. 436), “os militares abrangem as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, com vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio, mediante remuneração paga pelos cofres públicos”.
Os particulares em colaboração com o poder público podem ser definidos como todas “as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração” (DI PIETRO, 2003, p. 437). Essa prestação de serviço pode se dar de várias formas, compreendendo:

1. delegação do Poder Público, como se dá com os empregados das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, os que exercem serviços notarias e de registro (art. 236 da Constituição), os leiloeiros, tradutores e intérpretes públicos, eles exercem função pública, em seu próprio nome, sem vínculo empregatício, porém sob fiscalização do Poder Público. A remuneração que recebem não é paga pelos cofres públicos mas pelos terceiros usuários do serviço;
2. mediante requisição, nomeação ou designação para o exercício de funções públicas relevantes; é o que se dá com os jurados, os convocados para prestação de serviço militar obrigatório ou eleitoral, os comissários de menores, os integrantes de comissões, grupos de trabalho etc.; também não tem vínculo empregatício e, em geral, não recebem remuneração;
3. como gestores de negócios que, espontaneamente, assumem determinada função pública em momento de emergência, como epidemia, incêndio, enchente etc (DI PIETRO, 2003, p. 437).


5.2 Agentes da autoridade de trânsito


A respeito da expressão “agentes da autoridade de trânsito”, o CTB apresenta duas definições e que, a meu ver, devem ser analisadas de forma sistêmica:

Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
[...]
§ 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.
[...]
§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência (grifo nosso).
[...]
ANEXO I
DOS CONCEITOS E DEFINIÇÕES
Para efeito deste Código adotam-se as seguintes definições:
[...]
AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO - pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento (grifo nosso).

Como vimos acima, a infração de trânsito pode ser comprovada, dentre outras formas, por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, entretanto, a lavratura do auto somente pode ser feita pelo agente da autoridade de trânsito. Essa exclusão é perfeitamente compreensível quando se analisa as disposições do artigo 281, que estabelece como uma das atribuições da autoridade de trânsito o julgamento da regularidade e consistência do auto de infração, o que lhe afasta, portanto, a possibilidade de lavrar, spont propria, o auto de infração.
Assim, servindo de exemplo a situação acima descrita, constatamos que para uma correta interpretação do alcance das normas do CTB, mister se faz necessário que não seja feita uma interpretação literal sobre as suas disposições, mas sim uma análise sistêmica. O correto entendimento sobre quem pode atuar na qualidade de agente da autoridade de trânsito também deve seguir essa orientação.
Com efeito, analisemos, primeiramente, as disposições do § 4º do artigo 280. Dispõe o referido artigo que a competência para a lavratura do auto de infração poderá recair sobre servidor civil, estatutário ou celetista, ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via.
Á primeira vista e de forma simplista, poderíamos dizer que a norma se refere a todo e qualquer servidor público, aí incluídos, portanto, os integrantes das guardas municipais. Entretanto, tal interpretação deve ser feita em consonância com o disposto nos artigos 7º e 8º, ou seja, a execução dessa atividade não deverá recair sobre qualquer servidor público mas sim sobre aqueles que integrarem os órgãos e entidades componentes do SNT.
Interpretação distinta levaria ao absurdo de possibilitar que função tão específica e que exige pessoal próprio e preparado fosse assumida, por exemplo, por agentes administrativos pertencentes a diferentes setores da estrutura dos órgãos públicos, tais como médicos, engenheiros e garis. A esse respeito, frise-se que a necessidade de contratação de pessoal próprio e qualificado é apontada por renomados especialistas na área do Direito de Trânsito, do escol de Rizzardo (2003).
Nada impede, porém, que seja livre a conformação dos órgãos e entidades executivos e executivos rodoviários pelos Estados, Distrito Federal e pelos Municípios (art. 8º). Evidentemente que, para a consecução de sua política de trânsito, deverão os entes federados observar as disposições preconizadas em normas constitucionais e infraconstitucionais, entre elas o próprio CTB, de tal forma que, necessariamente, tais órgãos e entidades façam parte da estrutura da Administração Direta e que os agentes da autoridade de trânsito pertençam aos estratos dessa estrutura.
Mas essa assunção de funções não tendo sido a tônica adotada pela imensa maioria das prefeituras municipais, conforme citado anteriormente, omitindo-se, igualmente, quanto a elaboração de convênio para delegação das atividades de fiscalização de trânsito. Nos dizeres de Rizzardo (2003, p. 112)

A omissão a falta de cumprimento das regras acima, e máxime em assumir as funções pelos municípios, poderá acarretar graves prejuízos sociais, porquanto ficará sem aplicação a lei. Na hipótese, que certamente ocorrerá, caberá a intervenção, no setor, pelo CETRAN do respectivo Estado, que providenciará, junto ao DETRAN, para que órgãos estaduais, especialmente as polícias civil e militar, exerçam as funções.

Tal hipótese já foi manifestada pelo CETRAN do Estado de São Paulo, o qual, ciente das implicações decorrentes, permite a assunção dessa atividade pela Polícia Militar.
Com relação ao policial militar, tal interpretação também deve levar em consideração o disposto no artigo 7º e no inciso III do artigo 23. Assim, vemos que no âmbito dos Estados a Polícia Militar continuará a exercer as funções de agente da autoridade de trânsito, conforme lhe facultava o CNT e atualmente lhe faculta o CTB. Com relação à fiscalização das infrações de trânsito de competência municipal (estacionamento, parada, circulação, excesso de peso, lotação e dimensão dos veículos), porém, prescreve o CTB que sua atuação está vinculada à existência de convênio com a municipalidade.
Outro ponto a ser considerado é com relação à menção da palavra designado. Alguns doutrinadores, para defenderem a atuação das guardas municipais na seara do trânsito, fazem verdadeiras peripécias interpretativas para atingir tal desiderato, maltratando a semântica jurídica com verdadeiros castelos de areia.
Tal se dá em virtude de que, na forma como foi redigido, torna-se clarividente que a menção ao termo designado se refere tão somente aos policiais militares, posto que os servidores civis devem ser concursados e, daí decorrente, nomeados ou contratados para o exercício da função de agentes da autoridade de trânsito, não podendo, em hipótese alguma, serem designados para essa função, uma vez que deixariam de atuar em função que lhes é própria (originária) para acumular ou exercer função para a qual não foram concursados, burlando assim as normas constitucionais atinentes à espécie (acumulação de cargos e ofensa ao princípio da acessibilidade de cargos e empregos públicos mediante concurso).
Em relação ao emprego do termo designado, oportuno trazer à colação os ensinamentos ofertados por Da Silva (2005), que assim preleciona sobre o assunto:

O servidor civil não é designado, mas, sim, nomeado, ou seja, só poderá exercer o cargo de agente de trânsito, se for concursado para desempenhar dita atividade, quando então será nomeado e não designado, pois só o policial militar poderá ser designado agente de trânsito. Tanto é verdade que a norma do § 4º, do art. 280, do CTB, fala em designado e não em designados. Quem é designado, pela autoridade de trânsito (que só poderá ser estadual) com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência, é o policial militar e não o servidor civil. Mesmo porque a autoridade de trânsito municipal não tem competência para designar agente de trânsito ou policial militar, o que vem confirmar que o termo “designado”, no singular, antecedido da conjunção "ou" e do advérbio "ainda", refere-se ao policial militar e não ao servidor civil; bem como, porque só poderá ser designado quem exerce atividade afim, sob pena de burla ao princípio constitucional de que a investidura em cargo ou emprego público se dá mediante concurso (inc. II, art. 37, CF).

Com base na lição acima apresentada, mesmo o termo designado também se apresenta equivocado, eis que na verdade o que a autoridade de trânsito municipal irá fazer é estabelecer convênio com o Estado para que este assuma suas funções, total ou parcialmente, conforme estabelece o inciso III do artigo 23. Somente após firmado o referido convênio e designado pelo Estado o efetivo policial militar a quem incumbirá exercer a referida atividade é que se torna aceitável a edição de Portaria do órgão ou entidade de trânsito designando, especificamente, cada um dos policiais militares que irão realizar a fiscalização das infrações.
Prosseguindo, temos que o Anexo I também apresenta redação equivocada, eis que ali se fala de pessoa, civil ou militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito e patrulhamento. Percebe-se claramente que o legislador confundiu claramente os institutos de provimento de cargo e de delegação de atividades.
Na regra inserta no § 4º do artigo 280 o legislador se utiliza da expressão designação, ao passo que ao apresentar a definição de agente, equivocadamente, se utiliza do termo credenciamento. Em análise ao CTB encontramos as seguintes remissões ao termo credenciamento:

Art. 20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas federais:
[...]
V - credenciar os serviços de escolta, fiscalizar e adotar medidas de segurança relativas aos serviços de remoção de veículos, escolta e transporte de carga indivisível;
[...]
Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:
[...]
X - credenciar órgãos ou entidades para a execução de atividades previstas na legislação de trânsito, na forma estabelecida em norma do CONTRAN;
[...]
Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
[...]
XII - credenciar os serviços de escolta, fiscalizar e adotar medidas de segurança relativas aos serviços de remoção de veículos, escolta e transporte de carga indivisível;
[...]
Art. 106. No caso de fabricação artesanal ou de modificação de veículo ou, ainda, quando ocorrer substituição de equipamento de segurança especificado pelo fabricante, será exigido, para licenciamento e registro, certificado de segurança expedido por instituição técnica credenciada por órgão ou entidade de metrologia legal, conforme norma elaborada pelo CONTRAN.
[...]
Art. 148. Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN.
[...]
Art. 155. A formação de condutor de veículo automotor e elétrico será realizada por instrutor autorizado pelo órgão executivo de trânsito dos Estados ou do Distrito Federal, pertencente ou não à entidade credenciada.
[...]
Art. 156. O CONTRAN regulamentará o credenciamento para prestação de serviço pelas auto-escolas e outras entidades destinadas à formação de condutores e às exigências necessárias para o exercício das atividades de instrutor e examinador.

Logo se vê, portanto, que a utilização da expressão credenciamento na definição do termo agente da autoridade de trânsito é totalmente equivocada, eis que o credenciamento no CTB se refere à delegação de atividades não direcionadas ao exercício do poder de polícia de trânsito. Essas atividades estão ligadas, precipuamente, a funções que tradicionalmente são delegadas a terceiros ou que não exigem execução pela própria Administração, tais como o serviço de escolta, de estadia de veículos, exames médicos e psicológicos, vistoria técnica de veículos, etc.
Ainda que assim não fosse, não poderia a autoridade municipal de trânsito credenciar agentes de trânsito por dois motivos: o primeiro se refere ao fato de que a única possibilidade de credenciamento possibilitada pelo CTB no âmbito municipal é aquela relacionada com o serviço de escolta de cargas superdimensionadas (art. 24, XII), diferentemente da amplitude atribuída ao órgão executivo estadual (art. 22, X); em segundo, falece competência à autoridade municipal de trânsito para credenciar quem quer que seja (servidor civil ou policial militar) para o exercício das atividades de policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento, eis que as matrizes constitucionais atribuem competência exclusiva dessas atividades à Polícia Militar e à Polícia Rodoviária Federal, respectivamente, o que se repetiu nas próprias disposições do CTB (Anexo I).
Resta assim claramente demonstrado, motivado e fundamentado que não se pode designar guardas municipais para o exercício da fiscalização de trânsito, seja em virtude destes não comporem o SNT ou, simplesmente, pela impossibilidade de serem designados agentes de trânsito, o que, conforme vimos, pressupõe provimento originário para a função. Para arrematar o assunto, oportuno fazer menção à brilhante conclusão apresentada por Da Silva (2005):

[...] À autoridade de trânsito não é dado designar guarda municipal para desempenhar a função de agente de trânsito, pois este não é policial militar, e muito menos para lavrar auto de infração. O agente de trânsito competente para lavrar auto de infração de trânsito só pode ser (numa interpretação sistemática do disposto no § 4º, do art. 280, do CTB, frente à Constituição Federal) servidor público concursado para cargo de agente de trânsito; criado por lei, com atribuições específicas, com número certo e estipêndio correspondente, ou um policial militar, designado pela autoridade de trânsito municipal, se houver convênio com o Estado, mas nunca guarda municipal, vez que este foi concursado e admitido para exercer a função de patrulheiro, sob pena de usurpação de função. Quem pode ser designado pela autoridade de trânsito é o policial militar e não o servidor público, mesmo porque este não é designado, mas, sim, admitido, bem como, porque a conjunção alternativa ou (constante do § 4º, do art. 280, do CTB) exclui qualquer outra interpretação. Caso contrário, chegar-se-ia ao absurdo de ser designado um médico, um dentista, um engenheiro, um advogado, etc., para o cargo de agente de trânsito, desde que servidores públicos. [...] Desse modo, a Administração Pública Municipal só poderá ter agente de trânsito mediante criação dos cargos e preenchimento por concurso e não por simples designação de servidor municipal; sendo ilegal, por contrariar o CTB, a lei municipal que designar guarda ou autorizar a designação de guarda municipal para exercer o cargo de agente de trânsito.

6.CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIOS

Segundo lição do eminente Meirelles (2000a, p. 350-1), “convênios administrativos são acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes”. Prossegue o jurista aduzindo que “convênio é acordo, mas não é contrato. No contrato, as partes têm interesses diversos e opostos; no convênio, os partícipes têm interesses comuns e coincidentes”.
Dada a essa natureza de instabilidade institucional, preleciona Gasparini (2003, p. 384) que “é natural que qualquer partícipe, a todo tempo, possa denunciar o convênio e dele retirar-se, respondendo pelas obrigações assumidas e auferindo as vantagens até esse momento. Nada deve impedir esses atos do partícipe”.
A Constituição Federal disciplina em seu artigo 241 a possibilidade dos entes federados disciplinarem por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação para gestão associada de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Além da Carta Magna, também o Decreto-lei nº 200/67 e a Lei nº 8.666/93 trazem comandos normativos atinentes aos convênios. A organização dos convênios não tem forma própria, admitindo-se, entretanto, que para a realização de determinados serviços públicos ocorra a precedente autorização legislativa. Sua execução incumbirá, em regra, a um dos partícipes, não assumindo esse nenhuma personalidade jurídica própria.
O CTB se refere por diversas vezes ao termo convênio, vejamos:

Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:
[...]
III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados;
[...]
Art. 25. Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.
Parágrafo único. Os órgãos e entidades de trânsito poderão prestar serviços de capacitação técnica, assessoria e monitoramento das atividades relativas ao trânsito durante prazo a ser estabelecido entre as partes, com ressarcimento dos custos apropriados.
[...]
Art. 74. omissis
[...]
§ 2º Os órgãos ou entidades executivos de trânsito deverão promover, dentro de sua estrutura organizacional ou mediante convênio, o funcionamento de Escolas Públicas de Trânsito, nos moldes e padrões estabelecidos pelo CONTRAN.
Art. 76. A educação para o trânsito será promovida na pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus, por meio de planejamento e ações coordenadas entre os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito e de Educação, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nas respectivas áreas de atuação.
Parágrafo único. Para a finalidade prevista neste artigo, o Ministério da Educação e do Desporto, mediante proposta do CONTRAN e do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, diretamente ou mediante convênio, promoverá:
[...]
Art. 79. Os órgãos e entidades executivos de trânsito poderão firmar convênio com os órgãos de educação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, objetivando o cumprimento das obrigações estabelecidas neste capítulo.

Verifica-se, portanto, que há autorização expressa para a celebração de convênios entre os órgãos e entidades de trânsito, assim como entre estes e particulares (pessoas físicas e jurídicas). Mas essa delegação de atividades deve observar, entretanto, a possibilidade de assunção dessas funções pelo outro partícipe, uma vez que determinadas funções não podem ser atribuídas a particulares ou a órgãos ou entidades estranhos ao SNT.
Traçando comentários acerca do artigo 25 do CTB, Rizzardo (2003, p. 112) preleciona que há “a possibilidade de atribuição de funções por um órgão superior a outro inferior, o que é comum, como na delegação de poderes para a expedição da Carteira Nacional de Habilitação, segundo estatui o art. 22, II”. De acordo com o jurista “sempre existiu a delegação, considerada indispensável para a facilitação e o acesso de todos à licença e à regularização dos veículos”.
Este é, aliás, o objetivo principal do convênio, prover maior eficiência e segurança para os usuários da via. Nota-se, entretanto, que o convênio também pode ser direcionado à execução de atividades relacionadas com a educação para o trânsito, seja através da criação de Escolas Públicas de Trânsito ou no ensino interdisciplinar de assuntos afetos ao trânsito dentro das matrizes curriculares das escolas do ensino fundamental, médio e superior.
A celebração de convênio com particulares possui campo restrito de atuação, restringindo-se à possibilidade de prestação de serviços de capacitação técnica, assessoria e monitoramento para eventuais interessados (entidades civis ou outros órgãos), desde que haja a devida contraprestação pelos serviços prestados (RIZZARDO, 2003). Quanto a execução dos serviços de auto-escola, escolta, vistoria técnica, exames médicos e psicológicos, emplacamento e despachante, não há propriamente a celebração de convênio entre o órgão estatal e o particular, mas sim uma delegação de atividades mediante a edição de atos normativos internos.
Outro ponto a ser considerado é com relação à delegação de atividades relacionadas com o exercício do poder de polícia de trânsito (fiscalização, imposição de penalidades, arrecadação de multas e valores de remoção e estadia, entre outros). O artigo 25 permite a celebração de convênios entre os órgãos e entidades de trânsito para a execução, total ou parcial, de atividades que lhe são próprias.
Nesse campo se situa, por exemplo, o convênio indicado no inciso III do artigo 23, a ser firmado entre a Polícia Militar, por meio de sua Secretaria de Segurança, e os órgãos e entidades executivos e executivos rodoviários estaduais e municipais. A fiscalização de trânsito nas rodovias e estradas estaduais, assim como nas estradas, rodovias e vias municipais fica condicionada a existência do referido convênio.
Conforme já anteriormente indicado, nada obsta que a Polícia Militar assuma a fiscalização de infrações municipais se houver omissão das autoridades constituídas, visto não se permitir solução de continuidade na aplicação da lei, bastando para tanto que o CETRAN do respectivo Estado assim normalize o assunto (RIZZARDO, 2003).
A questão a ser analisada deve ser pontuada sobre o prisma da possibilidade de celebração de convênio entre o órgão ou entidade de trânsito municipal e a Guarda Municipal. Novamente a resposta é negativa. Como vimos no capítulo anterior, não há possibilidade de designação ou credenciamento de guardas municipais para atuarem como agentes da autoridade de trânsito, eis que essa função exige provimento originário do cargo ou emprego público.
Nesse ponto, não havendo a possibilidade de atuarem como agentes da autoridade de trânsito, não podem, igualmente, figurar como partícipes na celebração de convênio para a fiscalização do trânsito. Tal decorre unicamente do fato das Guardas Municipais não estarem inseridas no âmbito do SNT, o que impede, por via de conseqüência, a aplicação do caput do artigo 25, restando-lhe tão somente a possibilidade de convênio para serem devidamente capacitadas ou assessoradas por outros órgãos ou entidades de trânsito (§ único do artigo 25).

7. NOTAS DOUTRINÁRIAS E JURÍDICAS

A competência para atuar na fiscalização de trânsito sempre foi alvo de dúvidas e divergências no campo doutrinário. Essa condição acentuou-se ainda mais com a edição do CTB, que, inovando em grande escala a referida matéria, tornou-se campo fértil para as mais profícuas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, não se tendo, até o presente momento, uma pacificação de entendimentos nos Tribunais superiores a respeito do assunto.
Na vigência do CNT, tal desiderato incumbia somente às Policiais Militares e à Polícia Rodoviária Federal, conforme entendimento manifestado em diversas ocasiões pelo CONTRAN (Atas da 39ª Reunião, de 25/05/1984, e da 41ª Reunião, de 31/05/1985). Em relação às polícias militares tal manifestação decorria do disposto no Decreto-lei nº 667/69, com a redação dada pelo Decreto-lei nº 1.072/78, e Decreto nº 88.777/83, que conferem competência exclusiva para execução do policiamento ostensivo fardado, aí incluída a fiscalização do trânsito urbano e rodoviário estadual (RIZZARDO, 2003).
Anteriormente à edição do Decreto-Lei nº 1.072/78 outros órgãos atuavam na fiscalização, policiamento e autuação de trânsito, porém, paulatinamente foram sendo afastados desse mister, culminando com a sua exclusão total.
Essa realidade só viria a mudar com a edição do CTB, o qual distribuiu entre diversos órgãos a competência para fiscalização do trânsito, entre eles os órgãos e entidades executivos e executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Além desses órgãos estatais, subsistiu a competência da PRF para fiscalização das rodovias federais e mitigou-se a competência das PM, reduzindo sua abrangência apenas para as infrações de competência estadual, no âmbito das vias urbanas. Para sua atuação nas rodovias e estradas estaduais e nas infrações de competência municipal é necessária a prévia existência de convênio com o órgão ou entidade com circunscrição sobre a via.
Feitas essas ponderações iniciais, vimos que, por definição, o agente da autoridade de trânsito pode ser servidor civil, estatutário ou celetista, ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via. Mas, como a definição peca pela sua falta de objetividade e clareza, não tardaram a surgir juristas defendendo a possibilidade de atuação de diferentes agentes públicos, desde aqueles pertencentes a órgãos não vinculados ao CTB como também às pessoas jurídicas de direito privado (Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista).
Defendem a utilização das Guardas Municipais nos estritos termos do § 8º do artigo 144 juristas do escol de Álvaro Lazzarini, Hely Lopes Meirelles, José Cretella Junior e José Afonso da Silva. Para estes renomados doutrinadores a utilização das guardas municipais se cinge à proteção dos bens, serviços e instalações do município.
Outros existem que, em face de interpretação extensiva da CF/88 e diante da complexidade atual da segurança pública, entendem que o campo de atuação das guardas municipais deve ser ampliado, tais como Cláudio Frederico de Carvalho, Cládice Nóbile Diniz e Júlio César da Silva.
Com relação especificamente ao assunto em testilha, defendem a possibilidade jurídica da utilização das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito as juristas Christiane Vasconcelos (“Guarda Municipal como agente de trânsito: constitucionalidade”) e Roseniura Santos (“Fiscalização do trânsito pela Guarda Municipal:
possibilidade jurídica”).
Externando posicionamento contrário podem ser encontrados os trabalhos dos juristas Ricardo Alves da Silva (“Polícia Militar e as Guardas Municipais”) e Benevides Fernandes Neto (“Guardas Municipais como agentes de trânsito - Estudo de Caso - Inconstitucionalidade”).
O DENATRAN já manifestou entendimento, através dos Pareceres nº 256/2004 e 247/2005/CGIJF/DENATRAN, contrário à utilização das guardas municipais na função de agentes da autoridade de trânsito, assim como diante da impossibilidade da assunção dessa função por meio de convênio. Atualmente o Ministério das Cidades, a quem compete a coordenação máxima do SNT, expediu o Parecer CONJUR/CIDADES nº 1409/2006, por meio do qual mantém o mesmo entendimento esposado nos pareceres elaborados pela assessoria jurídica do DENATRAN, ou seja, que “falece à guarda municipal competência para atuar na fiscalização de trânsito, incluindo o procedimento relativo à aplicabilidade de multas, também não detendo legitimidade para firmar convênio com os órgãos de trânsito objetivando tal fim”. Dada a similitude do seu conteúdo com o propósito da presente pesquisa, ousamos transcrever, ipsis literis, as considerações ali expostas:

PARECER CONJUR/MCIDADES nº. 1409/2006. GUARDA MUNICIPAL - COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL:
As guardas municipais são desprovidas de competência para atuar no campo da segurança pública, não podendo, pois, ser investidas de atribuições de natureza policial e de fiscalização do trânsito. Sua atuação se restringe à proteção dos bens, serviço e instalações do ente municipal (inteligência do art. 144, § 8º, da CF/88). (Processo nº. 80001.004367/2006-25).
1. Trata-se de exame de legalidade da atuação da guarda municipal, referente à consulta formulada pela Associação das Guardas Municipais do Estado de São Paulo. A indagação circula em torno da competência da guarda municipal na função de agente de trânsito.
2. Os autos foram instruídos com vasta documentação referente a tema.
3. A INFORMAÇÃO Nº. 020/2006/CGIJF/DENATRAN (cópia às fls. 112/115) notícia que a matéria já tramita há algum tempo perante o DENATRAN, obtendo pareceres que divergentes entre si.
4. Pelo despacho de fl. 120, a Coordenação Geral de Instrumental Jurídico e de Fiscalização determinou o apensamento dos presentes autos aos autos dos processos nº. 80001.015031/2006-98; 80001.011467/2005-27; 80001.011299/2005-70; 80001.017447/2005-60; 80001.020192/2005-12 e 80001.014211/2006-52, dando-se o respectivo desapensamento nos termos do DESPACHO CONJUR/MCIDADES Nº. 2663/2006 (fls. 153/154).
5. É o relatório.
6. Consoante já anotado no relatório supra, cuida-se de exame da competência das Guardas Municipais incluindo a legitimidade para firmar convênio com órgãos de trânsito para fins de fiscalização.
7. Observamos, inicialmente, que o sistema de repartição de competência adotado pelo nosso ordenamento jurídico segue o critério da predominância do interessa. Assim, as matérias pertinentes ao interesse nacional serão atribuídas ao órgão central, ficando reservadas aos Estados-membros e aos Municípios as matérias relativas aos interesses regionais e locais, respectivamente.
8. As competências, a teor do próprio texto constitucional, são ditas legislativa e administrativa. A legislativa se expressa no poder de a entidade estabelecer normas gerais, enquanto a administrativa, ou material, cuida dos atos concretos do ente estatal, da atividade administrativa propriamente.
9. Fincadas essas balizas preliminares, cabe atentar para o que estabelece a Constituição Federal na repartição da competência dos entes federativos no tocante à segurança pública, tema no qual está inserida a matéria ora em estudo, dispondo no seu art. 144, caput, e § 8º: Art., 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - policias militares e corpos de bombeiros militares, (...) § 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
10. Os dispositivos acima estabelecem competência administrativa, ou seja, poder para o exercício de certas atividades típicas do poder público. e como se vê, independentemente de se tratar de interesse local, regional ou nacional, o constituinte nominou expressamente aqueles entes a quem atribuiu às funções de segurança pública, não constando entre eles o ente municipal, cabendo acrescentar que o critério do interesse local, inserto no art. 30, inciso I, da CF, refere-se à competência legislativa do Município.
11. A inserção do Município no contexto da segurança pública foi por demais restrita; com efeito, atribuiu-lhe o constituinte, no parágrafo 8º, do art. 144, poder de constituir guardas municipais, mas cuidou em fechar o parêntese, estabelecendo que as atribuições destas, no campo material, ficariam limitadas à proteção dos bens, serviços e instalações da municipalidade, na forma da lei.
12. O texto constitucional remeteu a matéria ao legislador ordinário, que daria vida plena ao comando da norma. Mas a lei disporia apenas sobre os modos de execução e demais fatores relacionados às nuances administrativas, nunca ampliando o campo de atuação, para acrescentar competência que o constituinte não estabeleceu, como, por exemplo, inserindo o Município, por intermédio da sua Guarda Municipal, no contexto da segurança pública.
13. É claro que poderiam, a União, os Estados e os Municípios, cuidar da segurança pública, conciliando as sua atribuições de acordo com o interesse verificado. Tal sistemática, aliás, é noticiada no direito comparado, consistindo em prática recorrente em diversos países. Isto, por certo, nesses tempos de exacerbada violência urbana, receberia aplausos da sociedade brasileira. Poderíamos muito bem ter uma policia federal, estadual e municipal. Entretanto, definitivamente, esta não foi a vontade do constituinte.
14. A inclusão da municipalidade no Sistema Nacional de Trânsito, por intermédio dos seus órgãos e entidades executivas de trânsito, nos termos dos arts. 5º e 7º, da Lei nº. 9.503/1997 (Código Brasileiro de Trânsito), apenas autoriza o município a atuar na condição de coadjuvante junto aos verdadeiros detentores da competência no cenário da segurança pública, nas atividades relacionadas ao trânsito. Não investiu o ente municipal de competência, para atuar na segurança pública, com poderes para os serviços de policia ostensiva, de preservação da ordem pública, política judiciária e aplicação de sanções, porquanto tal competência haveria que ter sido atribuída pela própria Constituição Federal, e isto efetivamente não se deu. 15. Aliás, neste sentido vêm se posicionando órgãos do nosso Poder Judiciário, a exemplo do Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo teor da decisão ora transcrevemos: “As Guardas Municipais só podem existir se destinadas à proteção dos bens, serviços e instalações do Município. Não lhes cabem, portanto, os serviços de policia ostensiva, de preservação da ordem pública, de polícia judiciária e de apuração das infrações penais. Aliás, essas competências foram essencialmente atribuídas à polícia militar e à polícia civil. (TJSP - Acr 288.556-3 - Indaiatuba - 7º C. Crim - Rel. Des. Celso Limongi - J. 22.02.2000 - JURIS SINTASE verbete 13044322)”.
16. Por último, se não compete à guarda municipal atuar na fiscalização de trânsito, incluindo o procedimento relativo à autuação de condutores, pelos mesmos fundamentos também não detém legitimidade para firmar convênio com os órgãos de trânsito para tal fim. 17. Ante o exposto, manifesta-se esta Consultoria Jurídica, sob a baliza do disposto no conteúdo de art. 144 da Constituição Federal, no sentido de que falece à guarda municipal competência para atuar na fiscalização de trânsito, incluindo o procedimento relativo à aplicabilidade de multas, também não detendo legitimidade para firmar convênio com os órgãos de trânsito objetivando tal fim. A consideração superior, com sugestão de restituição ao DENATRAN. CLENILTO DA STLVA BARROS - Advogado da União. De acordo: Paulo César Soares Cabral Filho - Advogado da União - Assessor Jurídico - CONJUR / MCIDADES. De acordo. Restituam- se os autos, como proposto, ao Departamento Nacional de Trânsito. Ministério das Cidades, em 30 de novembro de 2006. ANA LUISA FIGUEIREDO DE CARVALHO - Consultora Jurídica.

A jurisprudência, à semelhança dos ensinamentos doutrinários, também não apresenta pensamento uniforme sobre o assunto. No Estado de São Paulo as decisões de 1ª instância também apresentam diferentes manifestações, ora opinando favoravelmente (Apelação Cível n° 613 847-5/8, Apelação Cível com Revisão nº 541.573-5/8-00 e Apelação Cível com Revisão n° 518.251-5/5-00) e ora denegando o pleito das guardas municipais (Apelação Cível com Revisão nº 584.030-5/5-00, Apelação Cível nº 553.958-5/8-00, Apelação Cível com Revisão n° 594.088-5/7-00).
Em grau de recurso, porém, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reverteu as decisões desfavoráveis e pacificou seu entendimento no sentido de permitir às Guardas Municipais atuarem como agentes da autoridade de trânsito, o que se vê pelas seguintes ementas:

MULTAS - TRÂNSITO - Município que se insurge contra Deliberação do Cetran de S. Paulo, que considerou nulas as autuações lavradas por guardas municipais investidos nas funções de agentes de fiscalização de trânsito - Município que tem, entretanto, competência para disciplinar o sistema via no, sinalizá-lo e fiscalizar a circulação de veículos e animais (CF, art. 30 e CBT, art. 24) - Policia administrativa que pode ser exercida por qualquer agente municipal (CBT, § 4o do art. 280) - Agente Estadual que, de outra parte, não tem autoridade para interferir na administração municipal - Segurança concedida - Recurso provido (Apelação Cível com Revisão nº 584.030.5/5-00).

Constitucional. Trânsito. Guarda Municipal.
1. A partir da Lei Federal n° 9.503/97 os Municípios estão legitimados à fiscalização do trânsito urbano e das estradas municipais por intermédio de seus próprios agentes públicos.
2. O art. 144, §8°, da CF deve levar em conta tal atribuição, conferida pela União no exercício de atividade privativa, permitindo interpretação conforme, dentro da razoabilidade, de que a fiscalização está inserida na expressão "serviços" ali contida, de forma a legitimar-se o exercício de tal atribuição pela guarda municipal.
Recursos improvidos (Apelação Cível com Revisão nº 613.847-5/8).

Mandado de Segurança. Guarda Municipal - Atribuição - Atuação - O guarda municipal, como todo e qualquer servidor do município, pode lavrar autos de infração de trânsito, pois a previsão constitucional de suas atribuições típicas de segurança pública tem por única finalidade distingui-las das funções típicas das demais polícias - Recurso provido (Apelação Cível com Revisão nº 594.088.5/7).

MULTAS - TRÂNSITO - Município que se insurge contra Deliberação do Cetran de S. Paulo, que considerou nulas as autuações lavradas por guardas municipais investidos nas funções de agentes de fiscalização de trânsito - Município que tem, entretanto, competência para disciplinar o sistema via no, sinalizá-lo e fiscalizar a circulação de veículos e animais (CF, art. 30 e CBT, art. 24) - Policia administrativa que pode ser exercida por qualquer agente municipal (CBT, § 4o do art. 280) - Agente Estadual que, de outra parte, não tem autoridade para interferir na administração municipal - Segurança concedida - Recurso provido (Apelação Cível com Revisão nº 584.030.5/5-00).

Em pesquisa junto aos órgãos do Poder Judiciário de outros Estados verificamos que em Santa Catarina, na Comarca de Itajaí/SC (Autos nº 033.07.024282-0), acatou o douto Magistrado, igualmente, o entendimento de que as guardas municipais não possuem competência para atuarem como agentes de trânsito.
Igual posicionamento adotou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o que se demonstra pelas seguintes ementas:

ADMINISTRATIVO. MULTAS DE TRÂNSITO. GUARDA MUNICIPAL. COMPETÊNCIA. CANCELAMENTO DE AUTOS DE INFRAÇÃO ÀS NORMAS DE TRÂNSITO E RESPECTIVAS MULTAS. DANOS MORAIS. Inteligência do art. 144, §8º, da CF. Atribuições específicas da Guarda Municipal, consistentes na proteção dos bens, serviços e instalações municipais, afastando-lhe o poder de polícia de segurança pública, que é função própria e indelegável do Estado. Multas por ela aplicadas, que são atos nulos em decorrência da falta de competência de seus agentes para praticá-los. Precedentes deste órgão julgador e do Órgão Especial do TJRJ. Manutenção da sentença por fundamento diverso. Dano moral que não se configura no fato de o apelado-réu ter extrapolado sua atribuição constitucional, emitindo irregularmente auto de infração de trânsito. O mero aborrecimento está fora da órbita de alcance do dano moral. Verbete nº 75 do TJRJ. Administrado que não logrou êxito em demonstrar a repercussão prejudicialmente moral e tampouco prova alguma de ofensa a direitos da personalidade. Recursos em manifesto confronto com jurisprudência dominante e com súmula deste Tribunal de Justiça. Art. 557, caput, do CPC. NEGATIVA DE SEGUIMENTO (Apelação Cível nº 2007.001.34985).

Administrativo. Constitucional. Licenciamento de veículo indeferido por existência de multa anterior, lavrada pelo Município. Pedido de nulidade daquela e cancelamento de seus reflexos. Improcedência do pedido. Apelação. Preliminar de nulidade. Se a sentença apresentou a prestação jurisdicional, sem violação dos preceitos constitucionais que regem a matéria e em consonância com a norma processual, não se reconhece a nulidade perseguida. Rejeição da preliminar. Mérito. Atuação dos agentes municipais, em controle de trânsito reconhecido como violando o estatuto constitucional. Prevalência do art. 144, § 8º da carta política sobre a lei no. 9.503/97. Matéria decidida pelo Colendo Órgão Especial na representação por inconstitucionalidade no. 2001.007.00070. Lei municipal 1.887/92 que autorizou a criação da Guarda Municipal que deve se adequar ao comando constitucional. Precedentes deste Tribunal de Justiça. Inviabilidade de exercício de poder de polícia de trânsito por empregados públicos não regularmente investidos de função pública. Provimento do apelo, reconhecimento de nulidade das infrações de lavra do Município e modificação das verbas de sucumbência (Apelação Cível nº 2007.001.29853).


Ação de conhecimento objetivando a anulação das multas de trânsito impostas pela Ré ao Autor. Procedência do pedido, declarada a nulidade das multas impostas, determinada a expedição de ofício ao DETRAN para baixa das multas após o trânsito em julgado da sentença. Apelação de ambas as partes. Representação por inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 24/2001 do Município de Macaé, que tomou o nº 70/2001, tendo o órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça reconhecido a inconstitucionalidade da atividade de fiscalização de trânsito pela Guarda Municipal de Macaé. Sentença que corretamente acolheu o pedido de anulação dos autos de infração. Recurso adesivo que deve ser provido em parte para determinar a expedição do ofício ao DETRAN independentemente do trânsito em julgado da sentença. Desprovimento da primeira apelação e provimento parcial da segunda apelação (Apelação Cível nº 2006.001.53608).

GUARDA MUNICIPAL EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA DELEGACAO DA COMPETÊNCIA IMPOSSIBILIDADE

Guarda Municipal. Representação por Inconstitucionalidade. Indelegabilidade das funções de segurança pública e controle de trânsito, atividades próprias do Poder Público. As atividades próprias do Estado são indelegáveis pois só diretamente ele as pode exercer; dentre elas se inserem o exercício do poder de policia de segurança publica e o controle do trânsito de veículos, sendo este expressamente objeto de norma constitucional estadual que a atribui aos órgãos da administração direta que compõem o sistema de transito, dentre elas as Policias Rodoviárias (Federal e Estadual) e as Policias Militares Estaduais. Não tendo os Municípios Poder de Policia de Segurança Pública, as Guardas Municipais que criaram tem finalidade especifica - guardar os próprios dos Municípios (prédios de seu domínio, praças, etc) sendo inconstitucionais leis que lhes permitam exercer a atividade de segurança publica, mesmo sob a forma de Convênios. Pedido procedente (CTP) (Representação por Inconstitucionalidade nº 2001.007.00070).

Conforme se vê, a tormentosa questão somente chegará ao fim quando o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal decidirem, definitivamente, quanto ao alcance da norma prevista no § 4º do artigo 280 do CTB e do § 8º do artigo 144 da CF/88.
Reafirmamos, todavia, nosso entendimento acerca da inconstitucionalidade de legislações municipais (lei complementar, ordinária ou decreto) ampliarem a competência das guardas municipais para que estas possam atuar na fiscalização de trânsito, bem como a total impossibilidade de serem designados ou conveniados como agentes da autoridade de trânsito.

8. CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve por objetivo demonstrar as ilegalidades decorrentes da atuação das guardas municipais como agentes de trânsito, sob o enfoque constitucional e infraconstitucional. Analisamos, dentre outros aspectos, se as funções atualmente desempenhadas por essas instituições estão dentro de seu âmbito de competência, se estas podem ser consideradas como órgãos componentes do SNT, assim como se podem ser designadas como agentes de trânsito ou atuarem sob a forma de convênio.
Vimos, inicialmente, que as guardas municipais possuem mais de 115 anos de história e estão presentes em 786 municípios brasileiros, contando com um efetivo de 74.797 pessoas. Com relação ao vínculo de subordinação, verificamos que 769 fazem parte da Administração Direta e apenas 16 pertencem à Administração Indireta.
Com relação às funções atualmente desempenhadas por essas instituições, notamos que, apesar da Carta Magna restringir sua atuação à proteção dos bens, serviços e instalações do município, sua atuação é desvirtuada das mais diversas formas. Essa atuação tem por supedâneo legislações municipais que, inadvertidamente, vêm atribuindo diversas funções que, constitucionalmente, são reservadas a outros órgãos, tais como patrulhamento ostensivo, atendimento de ocorrências policiais, atividades de defesa civil e proteção ambiental.
No que tange à análise de sua atuação como agentes da autoridade de trânsito, sob a ótica constitucional e do CTB, restou comprovada a total impossibilidade de sua utilização, seja sob a forma de nomeação, designação, credenciamento ou através de celebração de convênio.
O primeiro ponto a ser considerado para apontar a impossibilidade jurídica de sua atuação reside no simples fato de que as Guardas Municipais não foram erigidas como órgãos ou entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito. Apesar de não apresentar nominalmente os órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários, conforme fazia o antigo CNT, apresentou-nos o legislador um rol taxativo de órgãos nas três esferas de poder, delimitando expressamente suas competências e áreas de atribuições.
E nem poderia ser diferente, uma vez que se o legislador enumerasse nominalmente os órgãos e entidades de trânsito viria a reduzir sensivelmente o poder de conformação das estruturas administrativas a serem criadas, o que colidiria frontalmente com as disposições do artigo 8º, que confere ampla liberdade aos entes federados para estruturação dos seus órgãos executivos de trânsito e executivos rodoviários.
Portanto, é de clareza insofismável que as guardas municipais não compõem o SNT, conforme enumeração taxativa do artigo 7º do CTB, e, disso decorrente, não podem ser organizadas ou reestruturadas para atuarem como órgãos ou entidades de trânsito, nem serem vinculadas ou subordinadas ao órgão ou entidade de trânsito para atuarem como agentes da autoridade de trânsito, seja sob a forma de nomeação, designação, credenciamento ou convênio, o que se explica, igualmente, por força de interpretação constitucional, tendo em vista a expressa delimitação de suas funções institucionais, eventual desvio de função e a falta de lei complementar federal, nos termos do inciso XI e § único do artigo 22 da CF/88, que autorizaria o município a legislar sobre trânsito e transporte, além da competência que lhe é concedida (interesse local).
Com a edição do CTB ampliou-se sensivelmente o campo de atuação do município nas atividades relacionadas com o trânsito, notadamente na fiscalização, engenharia de tráfego e educação para o trânsito. Mas para que essas atribuições sejam legitimadas torna-se necessário que o município se integre ao SNT, conforme preceituam o § 2º do artigo 23 e artigo 333.
Para tanto é necessária a criação ou reestruturação de um órgão municipal de trânsito e de uma JARI, nomeando-se, por meio de decreto, os seus membros. Com relação aos agentes da autoridade de trânsito pode o município optar entre a utilização de um corpo de funcionários próprios, lotados no órgão de trânsito, ou delegar, total ou parcialmente, suas atividades a outros órgãos que lhes sejam subordinados hierarquicamente ou celebrar convênio com a Polícia Militar.
Desejando exercer com exclusividade a fiscalização de trânsito, restam à autoridade de trânsito duas possibilidades: nomeação de novos funcionários, com cargo e atribuições próprias para a fiscalização de trânsito, ou utilização dos funcionários já pertencentes ao órgão, desde que as atribuições de seus cargos permitam a realização dessas funções, ou seja, não deverá recair sobre qualquer servidor pertencente aos quadros do município como se mencionou em alguns acórdãos do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob pena de termos que admitir a plausibilidade jurídica de que um médico e um gari, somente por serem servidores civis, podem exercer a função de agente da autoridade de trânsito. Podemos afiançar que essa não foi, certamente, a intenção do legislador.
Como vimos, essas opções não englobam as guardas municipais, uma vez que a enumeração taxativa de suas atribuições pela Carta Magna não permite a sua nomeação, designação ou credenciamento como agentes da autoridade de trânsito, sendo esse um segundo ponto determinante para a impossibilidade de sua atuação.
Primeiro porque sua competência funcional se resume à proteção dos bens, serviços e instalações municipais; segundo porque, ainda que se entenda que possa a legislação municipal dispor sobre a competência da guarda municipal, não pode o município legislar sobre trânsito e transporte além daquilo que lhe é peculiar (interesse local), por imiscuir-se em competência legislativa privativa da União (art. 22, inc. XI), ou seja, não pode a legislação municipal dispor sobre competência para o exercício do poder de polícia de trânsito às guardas municipais, eis que a delimitação dessas atribuições já foi alvo de regulamentação pela União através do CTB; e terceiro porque exercem atividade de império (típica de Estado) e, portanto, não podem ser desviados de sua função precípua, que é a proteção de bens, serviços e instalações municipais.
Outro ponto a ser considerado está no fato de que o termo “designado”, utilizado pelo legislador no § 4º do artigo 280, foi empregado no singular e é separado pela conjunção alternativa “ou”, fatos que são mais do que suficientes para determinar que somente o policial militar pode ser designado, ou seja, não pode a autoridade de trânsito designar um guarda municipal para atuar como agente de trânsito, o que demonstra, à saciedade, que o exercício da função de agente da autoridade de trânsito pressupõe a existência de corpo de funcionários próprios, com cargos e atribuições próprias.
Com relação ao termo “credenciamento”, empregado na definição de agente da autoridade de trânsito trazida pelo Anexo I, melhor sorte não persiste, uma vez que a autoridade de trânsito não pode credenciar agentes de trânsito por dois motivos: o primeiro se refere ao fato de que a única possibilidade de credenciamento possibilitada pelo CTB no âmbito municipal é aquela relacionada com o serviço de escolta de cargas superdimensionadas (art. 24, XII), diferentemente da amplitude atribuída ao órgão executivo estadual (art. 22, X); em segundo porque falece competência à autoridade municipal de trânsito para credenciar quem quer que seja (servidor civil ou policial militar) para o exercício das atividades de policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento.
Conforme vimos, o CTB permite a celebração de convênios entre os órgãos e entidades de trânsito, assim como entre estes e particulares (pessoas físicas e jurídicas). Mas essa delegação de atividades deve observar, entretanto, a possibilidade de assunção dessas funções pelo outro partícipe, uma vez que determinadas funções não podem ser atribuídas a particulares ou a órgãos ou entidades estranhos ao SNT.
A delegação de atividades relacionadas com o exercício do poder de polícia de trânsito (fiscalização, imposição de penalidades, arrecadação de multas e valores de remoção e estadia, entre outros), permitida pelo artigo 25, por estar ligada à exteriorização do poder estatal, somente pode ser celebrada entre os órgãos e entidades de trânsito que compõem o SNT.
Nesse ponto, conforme exaustivamente demonstrado, não sendo a Guarda Municipal órgão ou entidade de trânsito componente do SNT e não lhe sendo permitida a nomeação, designação ou credenciamento como agente da autoridade de trânsito, também não pode figurar como partícipes na celebração de convênio para a fiscalização do trânsito, restando-lhe, por via de conseqüência, tão somente a possibilidade de convênio para serem devidamente capacitadas ou assessoradas por outros órgãos ou entidades de trânsito (§ único do artigo 25).
Convém trazer à colação, com a finalidade de arrematar o assunto e reafirmando nosso entendimento, que o DENATRAN, órgão máximo executivo de trânsito da União e que presta assessoria jurídica ao CONTRAN, e o Ministério das Cidades, a quem compete a coordenação máxima do SNT, já externaram entendimento no sentido de que “falece à guarda municipal competência para atuar na fiscalização de trânsito, incluindo o procedimento relativo à aplicabilidade de multas, também não detendo legitimidade para firmar convênio com os órgãos de trânsito objetivando tal fim”.

9. REFERÊNCIAS


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Sobre o texto:
Texto inserido na Academia Brasileira de Direito em 19 de janeiro de 2009.


Bibliografia:

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
FERNANDES NETO, Benevides. As Ilegalidades Decorrentes Da Atuação Das Guardas Municipais Como Agentes Da Autoridade De Trânsito Sob A Ótica Constitucional E Do Código De Trânsito Brasileiro. Disponível em Acesso em :23 de janeiro de 2009


Autor:

Benevides Fernandes Neto


* Resumo de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Direito Administrativo pelo Centro Universitário do Norte Paulista (UNORP).

* O autor é Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Bacharel em Direito, Especialista em Segurança Pública pela PUC/RS e em Direito Administrativo pela UNORP.


Academia brasileira de direito, 19/1/2009



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