Tema recorrente no debate público, a crise profunda de representatividade entre classe política e sociedade pode ser parcialmente superada com a adoção do voto distrital puro? Há interesse político em discuti-lo como modelo? São estas questões que procuraremos debater e responder.
Preliminarmente há que se destacar uma abissal distância entre quereres sob o aspecto realidade dos fatos de uma cogitada reforma política.
De um lado a ampla maioria de uma apodrecida casta política desejando a penumbra, a opacidade de um sistema eleitoral que lhes garanta a continuidade desviada das práticas da política sem as responsabilidades que lhes seriam consectárias, preservando com o oportunismo de mandatos continuados impeditivos de um desejável processo democrático de renovação.
Política como profissão com uma sociedade inserida em um sistema representativo sem representação, ignorada em seus anseios, ludibriada às escâncaras, espoliada e sem possibilidades de reação, tomada por um clientelismo conluiado de poder.
Neste diapasão que sustentaremos nosso debate, quando parte imprescindível de uma reforma política perpassa por uma substancial alteração em nosso modelo de sistema eleitoral mais que acabrunhado. Problema consiste que nossos representantes parecem intencionalmente dialogar apenas em sentido coorporativo de interesses voltados para manutenção do desviado sistema decrépito e excludente de poder, claramente nos negando democrática participação ales dos desesperados brados das ruas.
Em regra cada Estado define em sua constituição quais serão os sistemas pelos quais serão escolhidos os seus representantes. Esses sistemas eleitorais nada mais são do que a escolha da forma como se transformam os votos do povo em mandatos políticos, ou seja, como será feita a contagem de votos para definir os candidatos que exercerão os mandatos para representação política dos cidadãos. Em terra brasilis utilizamos os sistemas majoritário e proporcional para realizarmos as eleições.
O sistema majoritário é aplicado nas eleições para senadores e chefes do Poder Executivo. Por meio desse sistema, em municípios de até 200 mil eleitores, o candidato a prefeito e seu vice serão eleitos pela maioria simples do total de votos válidos. Para a eleição para presidente e vice-presidente da República, governador de estado e do Distrito Federal e para prefeito de município com mais de 200 mil eleitores, exige-se a maioria absoluta dos votos válidos. Não ocorrendo, haverá segundo turno entre os dois candidatos mais votados.
O sistema proporcional é utilizado nas eleições para as câmaras de vereadores municipais, as assembleias legislativas estaduais, para a Câmara Legislativa do Distrito Federal e para a Câmara dos Deputados. No sistema proporcional, utiliza-se o quociente eleitoral, que é o número de votos válidos apurados dividido pelo número de vagas no parlamento. Esse resultado significa o número de votos que cada partido político ou coligação de partidos deverá alcançar para ter direito a uma vaga para vereador ou deputado.
Estes são os sistemas previstos em nosso diploma constitucional de 1988.
O sistema distrital desponta sua autoridade, observado pelos estudiosos despidos do ranço das ideologias de partidos, como a melhor opção para o resgate original das essenciais virtudes de um sistema representativo não viciado e sem desvios de sentido. O sistema proporcional é indubitavelmente o que carreia maior número de críticos pela ausência de transparência que reverbera.
Assim, a assunção para o sistema distrital reformularia o essencial liame entre representante e representado, pois o sistema consiste em dividir a circunscrição eleitoral de um estado ou de um município em um número de distritos que corresponda ao número de vagas em disputa a serem preenchidas. Cada distrito teria os seus candidatos, que disputariam a eleição para representá-lo no Poder Legislativo. Os distritos podem ser divididos para representar um número de eleitores ou um determinado território. Dessa forma, os partidos políticos poderiam indicar um candidato para concorrer em cada um deles. Assim, disputados os votos, eleger-se-ia um representante de cada distrito para o parlamento.
Exemplificando: o estado X esteja ocorrendo a eleição para a Câmara dos Deputados e estejam em disputa dez vagas para deputados federais, ele seria dividido (apenas para efeito de cálculos) em dez distritos. Os candidatos deveriam se candidatar por distrito e somente poderiam receber votos dos eleitores do distrito pelo qual são candidatos. Assim, cada distrito elegeria um deputado federal pelo estado X até atingir o número de dez deputados federais dos quais o estado tem direito.
Uma das maiores críticas do sistema proporcional que hoje reverbera é sua clara inadequação representativa em relação aos eleitores, tendo em vista a corriqueira distorção na manifestação de vontade do eleitor, que, ao votar, é possível efetivamente acabar elegendo outro candidato para o parlamento. Permite a eleição de candidatos que não tiveram votos suficientes para isso e só conseguiram uma vaga por conta da coligação. Geram claras distorções na representação de forma que, o eleitor, ao votar em determinado candidato, tem o seu voto contabilizado no total de votos do partido ou da coligação para se apurar a quantidade vagas no parlamento a que o partido ou a coligação terá direito. As vagas obtidas pelo partido político ou pela coligação serão, portanto, preenchidas pelos mais votados.
Outro ponto importante é que no sistema proporcional, para a eleição de, por exemplo, um deputado estadual, promove-se campanha por todo o estado, visando ampliar ao máximo a visibilidade da sua candidatura com o fito de conseguir o maior número de votos possível para garantir que o seu partido atinja o quociente eleitoral e, consequentemente, tenha direito a vaga na Assembleia Legislativa. Ao escolhermos o sistema distrital, o candidato disputaria a eleição por um distrito, delimitando o número de eleitores em uma região menor, o que, em razão disso, baratearia a campanha eleitoral, diminuiria sua abrangência e aproximaria o representante dos eleitores facilitando o processo de fiscalização e cobrança.
O voto distrital reduziria o poder de barganha dos partidos nanicos, de aluguel, com quase nenhuma representatividade. Em verdade favoreceria os candidatos que defendem ideários gerais da população e desfavoreceria s defensores de extremismos ideológicos com diminuta representatividade. São estes despidos de representatividade, que em maior número possuem dirigentes que recebem benefícios pessoais escusos para ampliar o tempo de TV, para compor coligação, ampliar quociente, burlar a fidelidade partidária...
Para além, o sistema proporcional denota-se decrépito quando se espera um sistema eleitoral representativo transparente e justo. É possível uma pessoa ter 100 mil votos e não se eleger e outra pessoa ter apenas 5 mil votos e se eleger, o que agrava qualquer tentativa de solução de continuidade em nossa crise de representatividade. O voto vai para o deputado e para o partido, automaticamente. Então, você acha que está votando em uma pessoa, mas, de fato, está ajudando não só a eleger essa pessoa que você escolheu como candidato como também as outras pessoas da coligação partidária que nunca foi seu desejo eleger. Assim o emblemático caso Tiririca, deputado que teve 1 milhão de votos (irresponsáveis) e precisou de 300 mil votos para se eleger. Daí, um deputado que teve 10 mil votos, ou 15 mil votos, acaba se elegendo porque usa esse cheque especial, o restante dos votos dele. Outro candidato, que teve 100 mil votos, participando de uma coligação que não tem um puxador de voto como o Tiririca pode ficar de fora porque não teve esses votos excedentes. Atrás de um puxador de votos, de uma celebridade artística qualquer com apelo podem estar nomes que a sociedade jamais votaria por seus reconhecidos malfeitos, mas mesmo com poucos restarem (re) eleitos puxados no rabo de um cometa.
Há muito para se debater, para se aprimorar propostas que estejam em melhor consonância com a nossa realidade, quando nem sempre a importação de um sistema que dá certo em dado país com suas peculiaridades sócio-culturais terá um ideal encaixa para as nossas realidades mais sensíveis. Defendemos o voto distrital puro com pequenas adequações, mas encontramos a indelicada surdez de boa parte da casta política que não nos representam de fato, mas costuram a representação de seus interesses corporativos.
Deixemos avisos de alerta para a questão das nomenclaturas. No presente defendemos o voto distrital puro, mas há subterfúgios que a casta dos políticos se socorrem quando alardeiam defender, por exemplo, o voto distrital misto ou o distritão.
Voto distrital misto: É uma combinação do voto proporcional e do voto majoritário. Os eleitores tem dois votos: um para candidatos no distrito e outro para as legendas (partidos). Os votos em legenda (sistema proporcional) são computados em todo o estado ou município, conforme o quociente eleitoral (total de cadeiras divididas pelo total de votos válidos). Já os votos majoritários são destinados a candidatos do distrito, escolhidos pelos partidos políticos, vencendo o mais votado. Quanto maior for a proporção do voto de legenda maior o estrago causará este modelo. Partidos como o PT já declaram que só deliberam sobre este modelo a partir de uma maior porcentagem justamente para o voto de legenda para que possam eleger suas carniças.
Distritão: neste modelo acaba o quociente eleitoral, e as votações para deputados e vereadores migrariam do sistema proporcional para o majoritário. Assim, apenas os mais votados em cada estado ou município seriam eleitos -- e a "sobra" dos votos individuais não iriam para outro candidato. O problema do distritão é que apenas se elegerá s candidatos com maior poder de financiamento das suas campanhas – os que ostentarem as campanhas mais caras, leia-se mais corrompidas, com maior número de barganhas e favorecimentos escusos. Por isso tem a preferência de partidos como o PMDB e PSDB e hoje parece ter angariados novos adeptos que se imaginam ficarão sujos pela “Lava Jato” e com problemas para reeleição. Distritão é sinônimo de campanhas caras, tudo que queremos extirpar para oferecer isonomia, condições mais igualitárias de competição independente do dinheiro que corrompe. Campanhas caras exatamente é o que pretende aprovar o Congresso Nacional aprovando um fundo público eleitoral de quase 4 bilhões de reais sustentado com dinheiro público. Seria este o preço para termos uma democracia? Não, este é o preço para termos uma oligarquia política e antidemocrática.
Finalizamos como começamos, ao lembrarmos que a sociedade precisa informar-se profundamente para saber pleitear o sistema capaz de resgatar nosso tergiversado sistema representativo, não sendo demais reafirmar a imperiosa atenção para o abismo entre os quereres da sociedade e os quereres de nossos representantes, justamente pela permissiva discrepância quanto ao renegado interesse público em relação de conflito com o desvirtuado interesse corporativo que nosso sistema permite perseverar.
Nesta senda, quando a política discute reformar-se, os senhores nossos representantes ventilam de tudo, mas por que estão sempre procurando alternativas para não discutir o sistema distrital puro? De fato, nosso arrazoado procurou responder razoavelmente esta intrigante questão.
Hoje encontramos no parlamento uma pauta dos nossos representantes absolutamente desligada do interesse público dos seus representados, em uma espécie de salve-se quem puder corporativo no inebriado objetivo de manter-se as obscuridades do processo eleitoral e a profissionalização da política, em especial com o distritão e o voto distrital misto com sistema eleitoral por lista fechada. Deste verdadeiro golpe que a política pretende impingir ao sistema eleitoral de representação e a democracia a sociedade precisa rebelar-se. Certamente não é desta reforma política que o país precisa, quem dela precisa é o nosso sistema corrompido de fazer política.
Autor: Leonardo Sarmento é Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Processual Civil, Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV. Autor de 3 obras jurídicas e algumas centenas de artigos publicados. Nossa última obra (2015) de mais de 1000 páginas intitulada "Controle de Constitucionalidades e Temáticas Afins", Lumen Juris.
Fonte: Leonardo Sarmento / Jornal Jurid