Para o juiz, houve
responsabilidade objetiva do empregador, que assumiu o risco de o
motorista trabalhar durante a pandemia do coronavírus e não comprovou a
adoção de medidas de segurança.
A Justiça do Trabalho mineira reconheceu como acidente de
trabalho a morte por Covid-19 do motorista de uma transportadora. A
empregadora foi condenada a pagar indenização por danos morais, no valor
total de R$ 200 mil, que será dividido igualmente entre a filha e a
viúva, e, ainda, indenização por danos materiais em forma de pensão. A
decisão é do juiz Luciano José de Oliveira, que analisou o caso na Vara do Trabalho de Três Corações.
A família, que requereu judicialmente a reparação
compensatória, alegou que o trabalhador foi contaminado pelo coronavírus
no exercício de suas funções, foi internado e veio a óbito após
complicações da doença. O motorista começou a sentir os primeiros
sintomas em 15 de maio de 2020, após realizar uma viagem de 10 dias da
cidade de Extrema, Minas Gerais, para Maceió, Alagoas, e, na sequência,
para Recife, Pernambuco.
Em sua defesa, a empresa alegou que o caso não se enquadra na
espécie de acidente de trabalho. Informou que sempre cumpriu as normas
atinentes à segurança de seus trabalhadores, após a declaração da
situação de pandemia. Disse ainda que sempre forneceu os EPIs
necessários, orientando os empregados quanto aos riscos de contaminação e
às medidas profiláticas que deveriam ser adotadas.
Mas, ao avaliar o caso, o juiz deu razão à família do
motorista. Na sentença, o magistrado chamou a atenção para recente
decisão do STF, pela qual o plenário referendou medida cautelar
proferida em ADI nº 6342, que suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP nº
927/2020, que dizia que os “casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais”. Exceto no caso de “comprovação do nexo causal”,
circunstância que permite o entendimento de que é impossível ao
trabalhador e, portanto, inexigível a prova do nexo causal entre a
contaminação e o trabalho, havendo margem para aplicação da tese firmada
sob o Tema nº 932, com repercussão geral reconhecida.
Segundo o magistrado, a adoção da teoria da responsabilização
objetiva, no caso, é inteiramente pertinente, pois advém do dever de
assumir o risco por eventuais infortúnios sofridos pelo empregado ao
submetê-lo ao trabalho durante a pandemia do coronavírus. Na visão do
juiz, o motorista ficou suscetível à contaminação nas instalações
sanitárias, muitas vezes precárias, existentes nos pontos de parada, nos
pátios de carregamento dos colaboradores e clientes e, ainda, na sede
ou filiais da empresa.
Prova testemunhal revelou, ainda, que o caminhão poderia ser
conduzido por terceiros, que assumiam, como manobristas, a direção nos
pátios de carga e descarga. Situação que, segundo o juiz, aumenta o grau
de exposição, sobretudo porque não consta nos autos demonstração de que
as medidas profiláticas e de sanitização da cabine eram levadas a
efeito todas as vezes que a alternância acontecia.
Além disso, o magistrado reforçou que não foi apontada a quantidade fornecida do álcool em gel e de máscara, “não sendo possível confirmar se era suficiente para uso diário e regular durante os trajetos percorridos”,
frisou o julgador. Ele lembrou, ainda, que não foram apresentados
também comprovantes de participação da vítima e seus colegas em cursos
lecionados periodicamente sobre as medidas de prevenção.
Para o juiz, é irrefutável que o motorista falecido, em razão
da função e da época em que desenvolveu as atividades, estava exposto a
perigo maior do que aquele comum aos demais empregados, “não sendo
proporcional, nesta mesma medida, promover tratamento igual ao que
conferido a estes quando da imputação da responsabilidade civil”.
Segundo o julgador, tais peculiaridades, seguindo o que
prescreve o artigo 8º, caput e parágrafo 1º da CLT, atraem a aplicação
do disposto no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil brasileiro,
“ficando assim prejudicada a alegação da defesa de que não teria
existido culpa, e que isso seria suficiente para obstar sua
responsabilização”.
Na visão do juiz, não se nega que a culpa exclusiva da vítima seria fator de causa excludente do nexo de causalidade. “Entretanto,
no caso examinado, não há elementos que possam incutir na conclusão de
que ela teria se verificado da maneira alegada pela empresa, por
inobservância contundente de regras e orientações sanitárias, valendo
registrar que o ônus na comprovação competia à reclamada e deste encargo
não se desvencilhou”, frisou.
Assim, diante de todo o quadro, o juiz entendeu que ficaram
evidenciados os requisitos para imputação à empresa do dever de
indenizar. Para o julgador, a responsabilidade civil da
empresa restaria prejudicada em absoluto, pelo afastamento do nexo
causal, se, e tão somente se, houvesse comprovação total de que adotou
postura de proatividade e zelo em relação aos seus empregados, aderindo
ao conjunto de medidas capazes de, senão neutralizar, ao menos,
minimizar o risco imposto aos motoristas e demais colaboradores. “Porém, não foi essa a concepção que defluiu do conjunto probatório vertido”, ressaltou.
Por isso, visando a assegurar a coerência entre a aplicação e a
finalidade do direito, garantindo a sua utilização justa, por analogia,
o magistrado aplicou ao caso os comandos dos artigos 501 e 502 da CLT. “Imputada
a responsabilidade civil sobre a empregadora, reputo razoável e
proporcional a redução da obrigação de reparar os danos à razão da
metade”.
No caso dos autos, o juiz entendeu que o dano moral é evidente e
presumido, importando a estipulação de um critério para fixação da
compensação pela dor e pelo sofrimento experimentado pelos familiares.
Para o julgador, as figuras paterna e materna possuem papel decisivo no
desenvolvimento da criança, do adolescente e dos jovens, seja nos
momentos mais simples, para atos da vida cotidiana, seja nos momentos
mais complexos, como na atuação para educação e formação do caráter. “Ademais, a perda do ente querido priva os membros da família da convivência e do desfrutar do contato e da companhia”.
Diante disso, o juiz entendeu ser proporcional, razoável e
equitativo fixar a indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil
para cada uma das autoras, o que totaliza R$ 200 mil. Em sua decisão, o
magistrado levou em consideração o grau de risco a que o empregado se
expunha recorrentemente, o bem jurídico afetado e as vicissitudes do
caso como, por exemplo, o quão trágico foi o falecimento, a
inviabilidade de se poder ao menos fazer um velório, além da natureza
jurídica do empregador e de seu porte econômico.
Quanto ao dano material, o juiz determinou o pagamento da
indenização em forma de pensionamento para a filha e a viúva. Na visão
do julgador, as provas dos autos indicaram que o motorista era o único
provedor do lar e, por consequência, a perda sumária e precoce
proporcionou efeitos deletérios nefastos à família.
Especificamente em relação à filha, o juiz determinou que a
obrigação de indenizar se conservará até que ela complete idade
suficiente para garantir a própria subsistência, ou seja, até os 24 anos
de idade, conforme sugerido pela jurisprudência predominante. No
tocante à viúva, o dever de pensionamento se estenderá até que o
motorista completasse 76,7 anos de idade, de acordo com a última
expectativa média de vida divulgada pelo IBGE. Houve recurso, que
aguarda julgamento no TRT mineiro.