A saúde e a segurança do trabalho são
alguns dos focos de atuação da Justiça do Trabalho, especialmente por
meio do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho
(Trabalho Seguro), e merecem destaque neste 27 de julho - Dia Nacional
de Prevenção de Acidentes de Trabalho. O contexto da pandemia e da crise
econômica e sanitária reforça a existência de diferentes realidades no
ambiente de trabalho, com pessoas exercendo suas atividades em home
office e outros prestando, presencialmente, serviços essenciais à
população. Nos dois casos, a saúde e a segurança passaram a ganhar ainda
mais importância com as ações de prevenção ao contágio pelo novo
coronavírus.
Com base nessa nova realidade, o Programa Trabalho Seguro definiu como tema de atuação no biênio 2020-2022 a “Construção do trabalho seguro e decente em tempos de crise: prevenção de acidentes e de doenças ocupacionais”.
Entenda, nesta matéria especial, o que é saúde e segurança no trabalho,
quais suas implicações econômicas e sociais e quais são os direitos e
os deveres relacionados ao assunto.
Impacto humanitário e econômico
De acordo com os dados da Plataforma SmartLab,
iniciativa conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) Brasil, que compila e
organiza dados públicos, o Brasil, desde 2012, já teve mais de 5,4
milhões de notificações de acidentes de trabalhadores com carteira
assinada. Isso significa uma notificação a cada 49 segundos. Mais de 19
mil desses acidentes resultaram em morte.
Além do impacto humanitário e social, os
acidentes de trabalho também têm um reflexo econômico. Desde 2012,
foram mais de 423 milhões de dias de trabalho perdidos e R$ 95 bilhões
gastos com afastamentos acidentários pagos pelo Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS).
O setor econômico com mais notificações
foi o de atendimento hospitalar, com 52,1 mil notificações somente em
2018 e mais de 378 mil de 2012 a 2018. O comércio varejista de
mercadorias em geral e a administração pública aparecem em seguida. A
ocupação mais frequente citada em notificações é a de alimentador de
linha de produção (6%), seguida de técnico de enfermagem (5%) e de
faxineiro (3%).
Cortes, laceração, ferida contusa e
punctura são 21% das lesões mais frequentes. As partes do corpo mais
atingida são as mãos (24%), e 15% das notificações têm como agentes
causadores máquinas e equipamentos, seguidos por agentes químicos (14%).
Por fim, um recorte por gênero mostra que os homens são os que mais se
acidentam, com mais de 3 milhões de notificações (68% dos casos).
Os números, contudo, refletem apenas os
acidentes com trabalhadores que têm ou tinham vínculo de emprego. Não
estão incluídos na estatística os trabalhadores informais e os
servidores públicos estatutários.
Prevenção de doenças e acidentes
Os locais de trabalho, muitas vezes
pelas próprias características das atividades desempenhadas – como a
manipulação de produtos químicos ou a exposição a agentes físicos ou
biológicos –, podem comprometer a saúde e a segurança do trabalhador,
seja de forma imediata ou com o passar do tempo. As medidas de saúde e
segurança no trabalho dizem respeito a uma série de normas e
procedimentos que buscam prevenir acidentes e doenças ocupacionais.
A segurança no trabalho envolve todos os
aspectos relacionados à saúde dentro do ambiente laboral. Doenças
ocupacionais, violência, assédio moral e sexual, acidentes de trabalho e
assuntos relacionados fazem parte dos temas que são observados.
Profissões específicas
Por se tratar de uma área técnica, há
profissões específicas para atuar neste ramo, com diferentes
competências. Os engenheiros de segurança do trabalho são responsáveis
por inspeções, laudos técnicos e planos de prevenção. Também contam com o
apoio de técnicos em segurança do trabalho. Na área da saúde, o tema
fica por conta dos médicos e dos enfermeiros do trabalho, responsáveis
pela saúde ocupacional.
Esses profissionais ficam encarregados
de garantir que as normas sobre a matéria sejam devidamente aplicadas.
Essas normas têm base na legislação brasileira e nas convenções
internacionais.
Direitos e deveres
O direito à saúde e à segurança no
trabalho aparece no rol de direitos sociais da Constituição da
República: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social: redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”
(artigo 7º, inciso XXII).
A Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) tem um capítulo específico para segurança e medicina do trabalho.
As empresas têm a obrigação de cumprir e fazer cumprir as normas de
segurança do trabalho e de instruir os empregados sobre as precauções
para evitar acidentes. Também é obrigatório à empresa fornecer
equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados ao risco e em
perfeito estado de funcionamento (artigo 166).
Aos empregados, cabe observar as normas
de segurança. Assim, toda a sociedade tem uma parcela de
responsabilidade na prevenção de acidentes – diagnosticando possíveis
riscos, reduzindo chances e monitorando esses elementos.
Leis e convenções
O normativo também assegura direitos aos
que estão expostos a riscos – os adicionais de insalubridade e de
periculosidade. De acordo com o artigo 193 da CLT, são consideradas
atividades perigosas aquelas em que o trabalhador tem contato com
fatores de risco, como inflamáveis, explosivos, energia elétrica e
violência. Já atividades insalubres são as que expõem os empregados a
agentes nocivos à saúde acima dos limites de tolerância, fixados em
razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos
seus efeitos (artigo 189).
Compõem ainda o conjunto de normas sobre o tema a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei 9.765/1999), a Política Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho (Decreto 7.602/2011), o Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho (Lei 11.121/1995) e o Programa Integrado de Assistência ao Acidentado do Trabalho (Portaria Interministerial 14/1996).
Por fim, o assunto também é objeto de 19 convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com destaque para a Convenção 155,
sobre segurança e saúde dos trabalhadores, promulgada pelo governo
brasileiro em 1994. Com aplicação a todas as áreas de atividade
econômica, o documento entende “saúde” de maneira ampla, que abrange a
ausência de doenças e os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e
estão diretamente relacionados com a segurança do trabalho. O objetivo
da convenção é que os países formulem políticas nacionais para prevenir
os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho ou
tenham relação com ele, reduzindo ao mínimo, na medida em que for
razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de
trabalho.
Normas regulamentadoras
Outra grande referência sobre o tema são as 37 Normas Regulamentadoras (NRs)
da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia (extinto Ministério
do Trabalho). Elas detalham a aplicação das disposições da CLT sobre
medidas preventivas de medicina do trabalho, edificações, iluminação,
conforto térmico, instalações elétricas, armazenagem de materiais,
atividades insalubres, etc.
Essas normas devem ser implementadas
obrigatoriamente, no local de trabalho e visam à proteção de
empregadores e trabalhadores. Entre os temas tratados estão equipamentos
de proteção, sinalização de segurança e treinamentos de evacuação em
questões mais graves, como em incêndio.
Um exemplo é a Norma Regulamentadora 5,
que instituiu a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), com o
objetivo de tornar compatíveis, permanentemente, o trabalho, a
preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador. As Cipas são
compostas por representantes dos empregadores e dos empregados e têm
como atribuições identificar os riscos do processo de trabalho; elaborar
o mapa de riscos, com a participação do maior número de trabalhadores;
elaborar plano de trabalho que possibilite a ação preventiva na solução
de problemas de segurança e saúde no trabalho; e participar da
implementação e do controle da qualidade das medidas de prevenção
necessárias, entre outros.
O fornecimento de equipamentos de
proteção individual, a promoção de eventos de conscientização e o
monitoramento de condições seguras são exemplos dessas normas sendo
colocadas em prática.
Defesa da vida
As normas e a atuação das instituições
responsáveis pelo assunto têm voltado a atenção para as ações de
prevenção. “A prevenção é e será, em qualquer circunstância, a melhor
saída para empregados empregadores”, afirma a ministra Delaíde Miranda
Arantes, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), coordenadora do
Programa Trabalho Seguro da Justiça do Trabalho. “É a forma mais
eficiente para evitar os infortúnios e as suas nefastas consequências. É
um caminho de defesa da vida e de construção de um ambiente saudável”.
Segundo a ministra, o trabalho de
conscientização para a importância da prevenção não é um gasto, mas um
importante investimento. “A tragédia de Brumadinho, por exemplo, é um
acidente de trabalho que, se tivesse sido evitado, não teria gerado
tanto gastos financeiros e humanos, não se teriam perdido tantas vidas”,
assinala.
A ministra explica que a Justiça do
Trabalho tem investido em ações de cunho também educativo. “Uma grande
contribuição para a prevenção se dá quando a Justiça do Trabalho julga
as ações de indenizações decorrentes de doenças ou acidentes de
trabalho”, exemplifica. Segundo ela, essas ações têm dois objetivos
principais: reparar o dano sofrido pela vítima; o segundo é causar um
efeito pedagógico. “Na medida em que a empresa se vê na obrigação de
reparar o dano causado, seja por negligência ou por falta de medidas
preventivas, o efeito pedagógico se reveste em medidas preventivas”.
Trabalho decente em tempos de crise
A pandemia provocada pelo coronavírus
tem agravado doenças físicas e psíquicas em razão dos desafios e das
consequências da nova forma de vida e de trabalho, afetando,
especialmente, a população mais vulnerável. O gestor nacional do
Programa Trabalho Seguro na Região Nordeste, juiz André Machado
Cavalcanti, da 13ª Região, diz que a crise tem afetado a saúde do
trabalhador de diversas formas. “Muitos foram obrigados a trabalhar em
casa, muitas vezes sem condições para tanto; outros estão trabalhando em
situações de extremo risco; e uma grande parcela está privada do
trabalho, seja porque foram dispensados, seja porque são profissionais
liberais ou empreendedores e tiveram que fechar seus negócios em razão
da calamidade pública. Tudo isso causou uma situação de extremo
estresse, forte tensão e muito abalo emocional”, assinala.
O desembargador Sebastião de Oliveira,
do TRT da 3ª Região (MG), gestor nacional do Programa na Região Sudeste,
afirma que o contexto atual requer esforços de todos para evitar o
adoecimento profissional. “É necessário que as corporações e as empresas
se reúnam e montem uma equipe de emergência para tratar de quatro
passos – prevenção, diagnóstico, tratamento e retorno ao trabalho. É
preciso uma conjugação de esforços de patrão e empregado para salvar
todos que puder”, ressalta.
O juiz do Trabalho Leonardo Vieira
Wandelli, da 9ª Região (PR), representante da Região Sul no Programa
Trabalho Seguro, também reforça a seriedade das medidas de prevenção. “O
cumprimento das orientações e das normas, como distanciamento, uso de
máscara, luvas, restrições no transporte de empregados, os cuidados no
refeitório, tudo deve ser exigido pelas empresas, pelos empregados e
pelo poder público, porque interessa a todos. E esse cuidado precisa ser
estendido ao teletrabalho e ao trabalho externo, tanto de empregados
quanto de autônomos, o que é um grande desafio”, observa.
As preocupações do Programa Trabalho
Seguro, no entanto, se estendem além do diagnóstico das mudanças
vivenciadas. Um dos exemplos é a utilização de um comitê de crises para
atuar na promoção da saúde e da segurança laborais. “Um comitê de crises
propicia diálogos saudáveis e necessários, que resguardam o valor
social do trabalho, sem descurar da necessidade de preservação da livre
iniciativa como pilar de uma ordem econômica saudável”, assinala a
desembargadora Maria Beatriz Theodoro Gomes, do TRT da 23ª Região (MT),
gestora nacional representante da Região Centro-Oeste no programa. “A
atuação desse comitê serve aos administradores públicos como verdadeiro
farol a iluminar caminhos de implementação de políticas que tenham por
objetivo a salvaguarda dos direitos fundamentais trabalhistas,
notadamente a promoção da saúde e segurança do trabalho”.
A preocupação também vai além do momento
atual, pois considera também as consequências e os riscos psicossociais
do trabalho pós-pandemia. “É certo que o teletrabalho e a interação
virtual, envolvendo a comunicação não presencial intermediada por
e-mails, telefone, videoconferências e aplicativos como WhatsApp, serão
integradas ao cotidiano de muitas empresas definitivamente”, afirma a
desembargadora Márcia Bessa, do TRT da 11ª Região (AM/RR), gestora
nacional representante da Região Norte. “E aí surgem doenças novas, ou
não tão novas assim, como o tecnoestresse e a infoxicação. Como
identificá-las e preveni-las? Um dos desafios do futuro será lidar com
os males advindos do uso excessivo da tecnologia. Surgirão muitos
debates, especialmente em relação ao controle da jornada de trabalho”.
Lives do Programa Trabalho Seguro
Para compartilhar com a sociedade mais
informações e desenvolver melhor os temas, o Programa Trabalho Seguro
realiza, em julho, a maratona de lives “Construção do trabalho seguro e
decente em tempos de crise”. As transmissões são realizadas
semanalmente, com lives por região geográfica do País e a última com a
coordenadora nacional do programa. Os eventos também buscam marcar o dia
27 de julho, Dia Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho.
Fonte: TST