O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal (STF), deferiu medidas liminares nas Arguições de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) 395 e 444, apresentadas pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), para proibir a realização de conduções coercitivas de
investigados para interrogatório. Para o ministro, a condução coercitiva
para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e
da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao
qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua
incompatibilidade com a Constituição Federal.
Em sua decisão, o ministro observa que a disseminação de conduções
coercitivas no âmbito de operações da Polícia Federal dá relevância ao
caso concreto. Lembra que as duas ADPFs estiveram em pauta para
julgamento pelo Plenário do STF, mas não houve tempo hábil para que
fossem apreciadas, por isso decidiu apreciar a medida liminar, tendo em
vista a proximidade do recesso judiciário.
As ADPFs têm por objeto o artigo 260 do Código de Processo Penal
(CPP) e a prática judicial de determinar a condução coercitiva de
imputados para depoimento. O dispositivo legal, anterior à Constituição
de 1988, prevê que se “o acusado não atender à intimação para o
interrogatório, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”.
Nas ações, o PT e a OAB apontam que a prática resulta em lesão a
preceitos fundamentais e, como se esgota rapidamente após a realização
do interrogatório, não há tempo hábil para uma resposta jurisdicional,
ainda que liminar.
As ADPFs não questionam as hipóteses de condução coercitiva de outras
pessoas, como testemunhas, ou de investigados ou réus para atos
diversos do interrogatório, como o reconhecimento, por exemplo. As ações
questionam especificamente a condução coercitiva de suspeitos,
investigados ou indiciados para interrogatório. A ação do PT ataca a
medida tanto na investigação quanto na instrução criminal, baseando-se
em alegada violação ao direito à não autoincriminação. Já a da OAB é
mais restrita quanto ao objeto, questiona a condução coercitiva apenas
na fase de investigação.
Segundo o ministro Gilmar Mendes, a condução coercitiva no curso da
ação penal havia se tornado obsoleta, principalmente porque a
Constituição de 1988 consagrou o direito do réu de deixar de responder
às perguntas, sem ser prejudicado (direito ao silêncio). Com isso, a
condução coercitiva para o interrogatório foi substituída pelo simples
prosseguimento da marcha processual, à revelia do acusado. Entretanto,
segundo observou, o ato foi “reciclado” e, nos últimos anos, passou a
fazer parte do procedimento-padrão das operações policiais.
“Nossa Constituição enfatiza o direito à liberdade, no deliberado
intuito de romper com práticas autoritárias como as prisões para
averiguação. Assim, salvo as exceções nela incorporadas, exige-se a
ordem judicial escrita e fundamentada para a prisão – art. 5º, LXI.
Logo, tendo em vista que a legislação consagra o direito de ausência ao
interrogatório, a condução coercitiva para tal ato viola os preceitos
fundamentais previstos no artigo 5º, caput, LIV e LVII. Em
consequência, deve ser declarada a incompatibilidade da condução
coercitiva de investigado ou de réu para ato de interrogatório com a
Constituição Federal”, afirmou em sua decisão.
Efeitos
O ministro Gilmar Mendes esclareceu que a concessão da liminar, que
será submetida ao Plenário para referendo, não tem efeito de
desconstituir interrogatórios realizados até esta data, mesmo que o
interrogado tenha sido coercitivamente conduzido para o ato. Segundo
explicou, sua decisão reconhece a inadequação do tratamento dado ao
imputado, não do interrogatório em si. Por isso, segundo o ministro, não
há necessidade de debater qualquer relação desta decisão com os casos
pretéritos, não havendo espaço para a modulação dos efeitos da decisão.
Leia mais:
22/03/2017 -OAB questiona condução coercitiva na fase de investigação criminal
15/04/2016 - PT pede que Supremo declare incompatível com a Constituição a prática da condução coercitiva
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