"Não bastam atitudes cômodas ou atos formais, tais como publicação de
anúncios ou solicitações a agências de empregos, para a empresa se
desvencilhar da obrigação de atingir a cota mínima de contratação de
trabalhadores com deficiência. Exige-se que ela providencie a preparação
do local e da rotina de trabalho, para que, de fato, promova a inclusão
desses cidadãos na vida profissional. É que a obrigação da implantação
de um ambiente de trabalho aberto, inclusivo e acessível, de acordo com o
artigo 27 da Convenção Internacional de Nova York, cobra uma atitude
afirmativa de responsabilidade social da empresa, visando garantir o
direito ao trabalho digno das pessoas com deficiência". Adotando esses
fundamentos, expressos no voto do relator, desembargador José Eduardo de
Resende Chaves Júnior, a Primeira Turma do TRT-MG julgou
desfavoravelmente o recurso de uma empresa de transporte de passageiros e
manteve a multa que lhe foi aplicada pelo MTE (Ministério do Trabalho e
Emprego) pelo desrespeito da cota mínima legal de contratação de
trabalhadores com deficiência.
Esforço não demonstrado - O auto de infração emitido contra a empresa
registrou o descumprimento da cota de 5% prevista no inciso IV do
artigo 93 da Lei nº 8.213/91, tendo em vista que, na época, ela contava
em seus quadros com apenas nove empregados com deficiência ou
reabilitados pelo INSS, quando, pela norma legal, deveria contar com
pelo menos 157, já que possuía mais de 1000 empregados. E, além disso,
conforme observou o relator, a empresa não demonstrou que tomou todas as
medidas necessárias para tornar possível a contratação desses
trabalhadores.
Uma testemunha chegou a afirmar que publicava anúncios, inclusive em
jornais, solicitando candidatos para preencher as vagas na empresa
destinadas aos trabalhadores com deficiência. Mas, em seu exame, o
desembargador constatou que nenhuma cópia desses anúncios foi
apresentada. Ele também comentou a afirmação da empresa de que teria
realizado convênios e contatos com entidades governamentais e privadas
buscando promover a admissão de trabalhadores reabilitados ou com
necessidades especiais em seus quadros: "A ré não preparou o ambiente de
trabalho para torná-lo acessível e inclusivo. Simples atos formais,
como publicação de anúncios ou realização de convênios, não suprem o que
se apresenta como a responsabilidade social da empresa contemporânea,
após a incorporação no ordenamento nacional da Convenção Internacional
dos Direitos das Pessoas com Deficiência", destacou o desembargador.
Tutela internacional - Para fundamentar a decisão, o julgador citou o
artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que
prevê que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direitos, consagrando o princípio da igualdade. Ressaltou, no mesmo
sentido, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (1966) que estabelece que os direitos ali previstos serão
exercidos sem discriminação de qualquer natureza. No âmbito
internacional trabalhista, ele lembrou que as Convenções 100 e 111 da
OIT vedam o tratamento discriminatório no campo das relações de
trabalho, citando a Convenção 159 que, especificamente, trata da
reabilitação profissional e inserção das pessoas com deficiência no
emprego.
Ainda no plano da tutela internacional, o relator deu especial
destaque à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (Nova York, 2007) que, conforme explicou, foi ratificada no
Brasil com quórum qualificado de emenda constitucional e cujo conceito
de deficiência, na visão do desembargador, representa um avanço em
relação às legislações tradicionais que normalmente enfocavam o aspecto
clínico da deficiência: "As limitações físicas, mentais, intelectuais ou
sensoriais passaram a ser consideradas atributos das pessoas, o que
possibilita afirmar-se que a deficiência é a combinação de limitações
pessoais com impedimentos culturais, econômicos e sociais. Assim,
deslocou-se a questão do âmbito do indivíduo com deficiência para as
sociedades, que passaram a assumir a deficiência como problema de
todos", ressaltou, em seu voto. E completou: "Com a Convenção de Nova
York, formou-se a ideia de que as limitações de caráter físico, mental,
intelectual ou sensorial são atributos pessoais que se acabam por
restringir o acesso aos direitos, não pelos efeitos que tais
impedimentos produzem em si mesmos, mas, principalmente, em consequência
das barreiras sociais, ambientais e culturais impostas pela sociedade".
Continuando a discorrer sobre as razões jurídicas que o levaram a
reconhecer a validade do auto de infração e da multa aplicada à empresa,
o relator observou que o artigo 27 da Convenção de Nova York reconhece o
direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, "direito este que possui status
constitucional, traduzindo-se em direito humano e fundamental", frisou.
Ponderou, ainda, que o trabalho representa meio de inserção social da
pessoa com deficiência, proporcionando-lhe condições para vida digna, já
que possibilita não apenas sustento material, mas a convivência social e
o desenvolvimento das aptidões e potencialidades da pessoa.
Sistema de cotas: solução nacional - No Brasil,
explicou o desembargador, a tutela normativa e principiológica da pessoa
com deficiência centra-se nos artigos 5º, caput e 3º, IV, os quais, em
conjunto, asseguram a igualdade substancial e autorizam o Estado a
adotar ações afirmativas (políticas públicas e de integração social) com
o intuito de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana. E,
conforme destacou, não é demais lembrar que todos os direitos contidos
na Convenção das Pessoas com Deficiência são normas constitucionais, em
virtude da ratificação, pelo Brasil, do tratado da Organização das
Nações Unida com quórum de 3/5.
"Como forma de promover a inclusão social do trabalhador com
deficiência, com fundamento no princípio da igualdade substancial, o
artigo 93 da Lei 8.213/91 criou, assim, um sistema de quotas. Trata-se
de obrigação de cunho eminentemente promocional, decorrente da função
social da empresa, em que ela deve tomar todas as medidas ambientais e
sociais para inspirar a pessoa com deficiência a lhe prestar serviços,
de forma subordinada. Neste sentido, é dever da empresa instituir
programa de inclusão social da pessoa com deficiência, que envolve, não
só a publicação de anúncios e o contato de agencias de emprego, mas
também a preparação do ambiente e da rotina do trabalho, o fornecimento
de treinamento e, ainda. a acessibilidade, tudo para que permitir a real
inserção da pessoa com deficiência no ambiente produtivo da empresa. E a
imposição de implantação de um ambiente propício à contratação desses
cidadãos cobra da empresa atitudes afirmativas de responsabilidade com o
trabalho aberto, inclusivo e acessível, decorrente da responsabilidade
social da empresa estabelecida na Convenção Internacional de Nova York,
especialmente no seu artigo 27", frisou o julgador.
Ambiente inclusivo e igualdade de oportunidades - E não parou por aí.
Partindo para a legislação nacional, o desembargador salientou que,
para imprimir ampla aplicação à Convenção Internacional de Nova York, a
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a recente Lei
13.146 de 6 de julho de 2015, especificou ainda mais os princípios
consagrados na Convenção, impondo ao empregador a responsabilidade
social e trabalhista de, não apenas abrir vagas, mas também de garantir
um ambiente de trabalho acessível e inclusivo, ao dispor, em seu artigo
34, que: "A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre
escolha e aceitação, em igualdade de oportunidades em ambiente acessível
e inclusivo com as demais pessoas.§ 1o As pessoas jurídicas de direito
público, privado ou de qualquer natureza são obrigadas a garantir
ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos".
Além disso, continuou o relator, a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência - LBIPD, determina que a inserção desses
trabalhadores se processe de forma competitiva, ou seja, de maneira que
possam competir em igualdade de condições com os demais trabalhadores,
seja com a preparação do ambiente de trabalho, seja com o fornecimento
de recursos de tecnologia assistiva: "Art. 37. Constitui modo de
inclusão da pessoa com deficiência no trabalho a colocação competitiva,
em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da
legislação trabalhista e previdenciária, na qual devem ser atendidas as
regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia
assistiva e a adaptação razoável no ambiente de trabalho". E, no mesmo
sentido da Convenção Internacional de Nova York, essa lei também
consagra a responsabilidade social da empresa na promoção da inclusão
dos trabalhadores com necessidades especiais, estabelecendo que deve ser
incentivada não só pelas políticas públicas, mas também pela gestão
privada.
Descaso reiterado - "No caso, percebe-se do auto de infração que a ré
foi notificada para comparecer na Superintendência Regional do Trabalho
e Emprego de Minas Gerais, mas não apresentou defesa e nem mesmo
compareceu no órgão no dia e hora marcados. Não se pode deixar de
registrar, também, que consta do auto de infração que a reclamada já
havia sido autuada por duas vezes (anos de 2007 e 2012) pelas mesmas
razões e que a quantidade de empregados com deficiência ou reabilitados
diminuiu sensivelmente no ano de 2014 (de 22 para 9 empregados), apesar
do número geral de empregados ter aumentado", registrou o relator, na
decisão. Para finalizar, ele frisou que a ré não fez prova convincente
de que, de fato, se esforçou para preencher a totalidade do percentual
de vagas destinadas a pessoas reabilitadas pela Previdência Social ou
com deficiência.
Por todas essas razões, a Turma concluiu pela validade do auto de
infração do Ministério do Trabalho e Emprego, que goza de presunção de
legitimidade, sendo mantida a multa administrativa aplicada à ré pelo
descumprimento da cota mínima prevista no artigo 93 da Lei nº 8.213/91.
Fonte: TRT6
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