O IX EBAC – Encontro Brasileiro da Advocacia Criminal, promovido pela ABRACRIM (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas), reuniu mais de mil advogados no Rio de Janeiro, nos dias 14 e 15 de junho. Durante os dois dias, foram debatidos temas como abusos em atitudes dos juízes, que têm violado a Constituição Federal, a utilização da tecnologia da informação em investigações e conduções de processos, críticas ao que chamam de política punitivista e amplas análises sobre o momento de crise por que passa o país, com desmandos em todos os poderes: Legislativo, Executivo e, especialmente, Judiciário.
O evento trouxe palestras de juristas como Lenio Streck, Juarez Tavares, Juarez Cirino, Mariana Assis Brasil Weigert, Patrícia Vanzolini, Candido Albuquerque, Cesar Roberto Bitencourt, Rubens Casara, Fernanda Martins, Valeska Teixeira Zanini Martins, Geraldo Prado, Leonardo Isaac Yarochewski, Kenarik Boujikian, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Aury Lopes Junior, Alexandre Morais da Rosa, Luiz Eduardo Soares, Antônio Carlos de Almeida - Kakay, e José Roberto Batochio, que fez a palestra magna de encerramento. O tema central do Encontro foi “O Colapso do Direito e Garantias do Cidadão”, já apontando para o clima de denúncias de violações de prerrogativas, perseguição a advogados e criminalização da advocacia criminal.
O presidente nacional da ABRACRIM, Elias Mattar Assad, destacou que o evento foi importante para a discussão dos temas mais relevantes e urgentes para a preservação da garantia do Estado Democrático de Direito. “Foi o maior e mais rico de todos os encontros da nossa Associação. A ABRACRIM-RJ está de parabéns pela exemplar organização”, afirmou.
O anfitrião e organizador do evento, presidente da ABRACRIM-RJ, James Walker Junior, frisou o quanto o momento é vital para as discussões trazidas pelo IX EBAC. “Reunimos os maiores nomes da advocacia criminal brasileira e participantes de todos os estados do país, disse.
Carta do Rio
Ao final do Encontro, a ABRACRIM divulgou um documento intitulado “Carta do Rio de Janeiro da Advocacia Criminal Brasileira”. A carta destaca o posicionamento da entidade frente ao momento político que atravessa o país, salientando, em vários pontos, a importância vital da atuação do advogado criminalista para a garantia dos princípios da Constituição Federal, da Democracia, do Estado Democrático de Direito e de valores inalienáveis, como o princípio da presunção de inocência – que está, segundo frisam, violado no Brasil, com a aprovação, pelo STF, da possibilidade de prisão antes do trânsito em julgado. “A Carta do Rio de Janeiro simboliza a voz forte da nossa classe e contribui com o país neste momento de crise conceitual”, comentou o presidente nacional da ABRACRIM, Elias Mattar Assad.
Leia aqui a íntegra da Nota do Rio de Janeiro
Carta do Rio de Janeiro da Advocacia Criminal Brasileira
Os advogados e advogadas criminalistas brasileiros, reunidos no “IX Encontro Brasileiro da Advocacia Criminal”, realizado na cidade do Rio de Janeiro, sob os auspícios da ABRACRIM, nos dias 14 e 15 de junho de 2018, CONSIDERANDO que:
1. No Estado Democrático de Direito existiam limites rígidos ao exercício do poder, e que, atualmente em tempos de pós-democracia, estão sendo, não só violados, como também, extirpados, em prol do autoritarismo ao arrepio da constituição, carente de qualquer responsabilização dos agentes que desse artificio se utilizam para violar normas legais e constitucionais;
2. A presunção de inocência é direito de todos e engendra garantias do cidadão que não podem, em hipótese alguma, ser limitadas e violadas por decisões judiciais;
3. O devido processo legal (contraditório e ampla defesa) deve informar e estruturar o processo penal, desde o âmbito investigativo e até o término da etapa processual, na forma da Constituição da República;
4. Não há processo penal democrático constitucional, justo e coerente, sem a observância do necessário e indispensável equilíbrio de forças entre acusação e defesa, com pleno acesso das partes à integralidade da produção probatória e da prova colhida;
5. A norma penal criminalizadora deve estar subordinada, em termos de legitimidade, ao contexto das relações intersubjetivas e materiais, na forma da Constituição da República;
6. As condições extremas de marginalização social descaracterizam os elementos de ilicitude penal;
7. O direito penal não pode ser desvinculado de elementos empíricos de delimitação do poder punitivo;
8. A corrosão do Estado Democrático de Direito tende a intimidar e criminalizar o pleno exercício da advocacia na luta pelos direitos e garantias individuais;
9. O ataque recorrente aos direitos e prerrogativas no exercício da advocacia – particularmente aquela criminal – demonstra a faceta mais cruel do autoritarismo estatal;
10. Não haverá Estado Democrático de Direito sem o pleno exercício da advocacia forte, capacitada e apta para lutar pelos direitos de todos e todas, frente ao furor do poder estatal, em especial na proteção dos menos favorecidos socialmente;
11. É direito, não só do advogado como, principalmente, dos acusados, reunir e colher provas de seus interesses, desde o momento pré-processual e principalmente no curso do processo, em especial na implementação da investigação defensiva;
12. O processo de guerra jurídica no uso de expressões bélicas, tal como o law fare, parte de premissas violadoras das prerrogativas, fulminando direitos do cidadão;
13. Tendo em vista a banalização no uso desenfreado das medidas cautelares, incluindo restrições que sequer estão previstas em lei, assim como a prisão preventiva como verdadeira antecipação de tutela processual civil de nítida satisfação meritória, subverte sua finalidade processual.
14. Com a decisão do STF proibindo os abusos das conduções coercitivas, que vinham sendo decretadas de maneira automática e flagrantemente ilegal, sem prévia intimação do acusado, como consequência já se tem notícia, por mais absurdo que possa parecer, do aumento da decretação de prisões temporárias em substituição das conduções coercitivas, sob a alegação de que seriam elas “imprescindíveis para as investigações policiais”.
RESOLVEM proclamar solenemente à nação:
1. A necessidade imperiosa de que todos e particularmente os órgãos do Poder Judiciário respeitem e façam respeitar a Constituição da República, na forma como legitimamente promulgada;
2. A tentativa de intimidação e coação dos advogados no exercício do direito de defesa fere os preceitos defendidos pela ONU em seu artigo 16 da 8ª assembleia ocorrida em 1990 em Havana;
3. A advocacia criminal tem de ver resgatada sua participação na produção de elementos probatórios, desde o momento investigativo e toda persecução penal em juízo, para que toda decisão judicial passe pelo crivo de legitimação democrática, que é o efetivo contraditório e tenha como base a vontade geral da nação expressa nas normas que compõem o ordenamento jurídico;
4. Urge que a presidência do STF paute com urgência o julgamento das ADC`s 43, 44 e 54, pelo que nessas causas há de interesse coletivo, relevo jurídico e social. A omissão na prestação jurisdicional é inaceitável e fere a consciência jurídica brasileira;
5. Dar apoio à edição de provimento pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que regulamente a atuação da advocacia na investigação defensiva e efetiva implementação do contraditório na produção de qualquer elemento probatório desde a fase pré-processual, restabelecendo a necessária par conditio;
6. Lamentar que ministros da mais alta Corte do país recorram ao populismo punitivista, ao aplauso da mídia opressiva e, sobretudo, a um tal “sentimento pessoal” que refletiria também a ânsia punitiva popular, de forma seletiva, fundamentos do fascismo para justificar julgamentos que afrontam de forma deliberada a Constituição e revelam, assim, a clara imposição de interesses e vontades pessoais incompatíveis com o Estado Democrático de Direito;
7. Proclamar que o processo, descaracterizado como dialética legal e democrática e degenerado em guerra jurídica, é dizer, law fare, deve ser repudiado com toda ênfase pelos verdadeiros advogados brasileiros, eis que expressão perfeita e acabada do mais condenável autoritarismo;
8. Que a proibição das conduções coercitivas sem prévia intimação do acusado, decidida pelo STF, faz temer pelo inaceitável aumento do uso da prisão temporária, expediente este execrável e atentatório aos mais elementares princípios de liberdade vigorantes no Estado Democrático de Direito;
9. Conclamar a todos a participar da elaboração legislativa democrática, mormente aquela que diz respeito ao novo Código de Processo Penal, de forma a que seja compatível, em todos os sentidos, com a Constituição da República;
10. Conclamar os advogados e advogadas e, particularmente, aos criminalistas, que lutem pelo respeito à Constituição da República e as leis democráticas sempre pensando que este é o único sentido possível para uma democracia que abarque a todos.
Colocado em votação, foi aprovado pelo Plenário. A Presidência, Diretoria, Presidências, Diretorias Estaduais, Conselho Nacional da Advocacia Criminal e Ouvidoria Nacional agradecem as presenças e convoca para comparecimento no “X Encontro Brasileiro da Advocacia Criminal”, em 2019, em São Paulo.
Rio de Janeiro, 15 de junho de 2018.
Elias Mattar Assad
ABRACRIM Presidente Nacional
Jacinto Nelson de Mirando Coutinho
Presidente da Comissão de Redação da Carta do Rio de Janeiro
Thiago Minagé
Vice-Presidente da Comissão de Redação da Carta do Rio de Janeiro
James Walker Jr.
Presidente da ABRACRIM/RJ
Fonte: ABRACRIM - Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas
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