Em julgamento finalizado nesta terça-feira (19), a Quarta Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ser possível a
regulamentação judicial de visitas a animais de estimação após a
dissolução de união estável. Com a inédita decisão no âmbito do STJ,
tomada por maioria de votos, o colegiado confirmou acórdão do Tribunal
de Justiça de São Paulo (TJSP) que fixou regime de visitas para que o
ex-companheiro pudesse conviver com uma cadela yorkshire adquirida
durante o relacionamento, e que ficou com a mulher depois da separação.
Apesar de enquadrar os animais na categoria de bens semoventes –
suscetíveis de movimento próprio e passíveis de posse e propriedade –, a
turma concluiu que os bichos não podem ser considerados como meras
“coisas inanimadas”, pois merecem tratamento peculiar em virtude das
relações afetivas estabelecidas entre os seres humanos e eles e em
função da própria preservação da dignidade da pessoa humana.
“Buscando atender os fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, independentemente do nomen iuris
a ser adotado, penso que a resolução deve, realmente, depender da
análise do caso concreto, mas será resguardada a ideia de que não se
está frente a uma ‘coisa inanimada’, mas sem lhe estender a condição de
sujeito de direito. Reconhece-se, assim, um terceiro gênero, em
que sempre deverá ser analisada a situação contida nos autos, voltado
para a proteção do ser humano e seu vínculo afetivo com o animal”,
apontou o relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão.
Questão delicada
O ministro afastou inicialmente a alegação de que a regulamentação de
visitas a animais seria tema de “mera futilidade”, já que a questão é
típica da pós-modernidade e envolve questão delicada, que deve ser
examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal quanto
pela proteção constitucional dada à fauna.
No âmbito legal, o relator mencionou que o Código Civil definiu a
natureza jurídica dos animais, tratando-os na categoria das coisas e,
por consequência, como objetos de relações jurídicas.
Todavia, destacou a notoriedade do vínculo afetivo entre os homens e
seus animais de estimação e lembrou que, de acordo com pesquisa do IBGE,
já existem mais cães e gatos em lares brasileiros do que crianças.
“Nesse passo, penso que a ordem jurídica não pode, simplesmente,
desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de companhia –
sobretudo nos tempos em que se vive – e negar o direito dos ex-consortes
de visitar ou de ter consigo o seu cão, desfrutando de seu convívio, ao
menos por um lapso temporal”, afirmou o ministro.
Salomão assinalou, porém, que não se trata de uma questão de
humanizar o animal, tratando-o como pessoa ou sujeito de direito.
Segundo o ministro, também não se pode buscar a equiparação da posse de
animais com a guarda de filhos.
Direitos da pessoa humana
Apesar de partir da premissa de caracterização dos animais como bens
semoventes, o relator entendeu que a solução de casos que envolvam
disputa de animais por ex-conviventes deve levar em consideração a
preservação e a garantia dos direitos da pessoa humana. Além disso,
apontou, também devem ser observados o bem-estar dos animais e a
limitação aos direitos de propriedade que recaem sobre eles, sob pena de
abuso de direito.
O ministro citou ainda o Enunciado 11 do Instituto Brasileiro de
Direito de Família, aprovado durante o X Congresso Brasileiro de Direito
de Família, que estabelece que "na ação destinada a dissolver o
casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia
compartilhada do animal de estimação do casal".
“Na hipótese ora em julgamento, o tribunal de origem reconheceu que a
cadela foi adquirida na constância da união estável e que teria ficado
bem demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de
estimação, destacando, ao final, que eventual desvirtuamento da
pretensão inicial (caso se volte, por exemplo, apenas para forçar uma
reconciliação do casal) deverá ser levada ao magistrado competente para a
adoção das providências cabíveis”, concluiu o ministro ao reconhecer o
direito de o ex-companheiro visitar a cadela de estimação.
Votos divergentes
Acompanharam o voto do ministro Salomão – com a consequente
manutenção do acórdão do TJSP – os ministros Antonio Carlos Ferreira e
Marco Buzzi. Mas o ministro Marco Buzzi apresentou fundamentação
distinta, baseada na noção de copropriedade do animal entre os
ex-conviventes.
Segundo Buzzi, como a união estável foi firmada sob o regime de
comunhão universal e como os dois adquiriram a cadela durante a relação,
deveria ser assegurado ao ex-companheiro o direito de acesso ao
animal.
Divergiram do entendimento majoritário a ministra Isabel Gallotti e o
desembargador convocado Lázaro Guimarães, que votaram pelo
restabelecimento da sentença de improcedência do pedido de
regulamentação de visitas.
Último a votar no julgamento do recurso especial, Lázaro Guimarães
entendeu que a discussão não poderia adotar, ainda que analogicamente,
temas relativos à relação entre pais e filhos. De acordo com o
desembargador, no momento em que se desfez a relação e foi firmada
escritura pública em que constou não haver bens a partilhar, o animal
passou a ser de propriedade exclusiva da mulher.
Angústia
De acordo com os autos, o casal adquiriu a cadela yorkshire em 2008.
Com a dissolução da união estável, em 2011, as partes declararam não
haver bens a partilhar, deixando de tratar do tema específico do animal
de estimação.
Na ação de regulamentação de visitas, o ex-companheiro afirmou que o
animal ficou em definitivo com a mulher, que passou a impedir o contato
entre ele e cachorra. Segundo o autor da ação, esse impedimento lhe
causou “intensa angústia”.
Com a finalização do julgamento pela Quarta Turma, foi mantido o
acórdão do TJSP que fixou as visitas do ex-companheiro à cadela em
períodos como fins de semana, feriados e festas de final de ano. Ele
também poderá participar de atividades como levar o animal ao
veterinário.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.