Dr. Gamaliel Marques

Dr. Gamaliel Marques

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

PEC aumenta número de Vereadores com redução de recursos públicos

P A R E C E R


Nº: 1413/08


- CF – Constituições e Emendas Constitucionais. PEC n.º20, que aumenta o número de Vereadores com a redução de recursos públicos a serem transferidos para a Câmara Municipal. Vigência imediata. Inviabilidade. Princípios da segurança jurídica e da anterioridade eleitoral, que constituem, em última análise, cláusulas pétreas (art. 60, §4º, inc. IV, da CRFB/88). Decisão análoga do E. STF. Comentários.


CONSULTA:


Trata-se de consulta formulada pela Diretoria Jurídica da Câmara Municipal, que, após ressaltar que tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição – PEC n.º20 que aumenta o número de Vereadores com redução dos recursos públicos a serem repassados para as Câmaras, indaga se, uma vez aprovada esta proposta nesse momento, teria aplicabilidade já para a legislatura 2009/2012.

A consulta não vem documentada.


RESPOSTA:


Não há como, nos limites desse parecer, fazer uma análise a respeito do caso relatado na consulta, pois a PEC n.º20 pode ser aprovada ou não pelo Congresso Nacional ou, ainda, ter a sua aplicação postergada para o futuro; o que já aconteceu com outras emendas constitucionais. Por isso, responderemos a consulta em tese.


As emendas constitucionais são editadas após o devido processo legislativo especial, decorrendo do exercício de poder modificador conferido, pelo legislador constituinte originário, ao derivado. Permitem a alteração do texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, segundo os limites formais e materiais também de sede constitucional (art. 60 e seus parágrafos), para que o texto constitucional possa ser compatível à evolução do Estado Brasileiro e, aos anseios da própria sociedade brasileira.


As emendas constitucionais, por integrarem o texto da CRFB/88, são dotadas de idêntica força normativa e eficácia vinculante imediata. Ou seja, os dispositivos alterados ou incluídos pelas emendas constitucionais são, em regra, aplicados imediatamente, gozando da mesma hierarquia das demais normas constitucionais. Mais do que isso. As alterações trazidas nas emendas constitucionais têm o condão de revogar os dispositivos infraconstitucionais que forem incompatíveis com elas.


Repita-se que o processo de elaboração do processo legislativo especial das emendas constitucionais é informado pelos limites formais e materiais previstos no art. 60 e parágrafos, da CRFB/88. Dentre os limites materiais, destacam-se os explícitos que ressaltam a impossibilidade da emenda constitucional violar as cláusulas pétreas, as quais representam o conteúdo mínimo e intocável que revelam a estruturação do Estado brasileiro e os fins que deve seguir em prol da defesa de toda a pessoa. Daí porque, a inobservância desses limites, em especial das cláusulas pétreas, no processo legislativo de elaboração das emendas, poderá acarretar a sua declaração de inconstitucionalidade pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal – E. STF.


Não é outra posição do E. STF, que, ao examinar a possibilidade de controle de constitucionalidade das emendas constitucionais, decidiu o seguinte:


"O Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que é admissível a Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional, quando se alega, na inicial, que esta contraria princípios imutáveis ou as chamadas cláusulas pétreas da Constituição originária (art. 60, § 4º, da CF). Precedente: ADI 939 (RTJ 151/755)"1.


No caso em espécie, questiona-se se a PEC n.º20, ao aumentar o número de Vereador com redução dos recursos públicos a serem repassados para as Câmaras Municipais, teria aplicabilidade imediata, incidindo, assim, já na legislatura 2009/2012.


Num primeiro momento, é possível ponderar que a PEC n.º20, por gozar de força vinculante e normativa imediata de qualquer outra emenda constitucional aprovada, teria aplicabilidade imediata, incidindo, assim, sobre a legislatura em curso. Contudo, não é essa a melhor interpretação a ser dada à matéria.


Caso a PEC entre em vigor nesse momento influindo, por conseguinte, na próxima legislatura, haverá clara violação do direito constitucional fundamental da segurança jurídica, na sua verdade ato jurídico perfeito (art. 5º, inc. XXXVI, da CRFB/88), que constitui uma das hipóteses de cláusula pétrea (art. 60, §4º, inc. IV, da CRFB/88). Isto se explica porque, ainda que indiretamente, a PEC afetará todos os atos jurídicos já concretizados pertinentes ao resultado das eleições e, mais do que isso, à diplomação dos Vereadores já eleitos, interferindo, indevidamente, sobre a composição das forças políticas definidas de forma democrática pela população.


Ademais, restará maculado o princípio da anterioridade eleitoral (art. 16, da CRFB/88), que representa garantia constitucional fundamental do cidadão e, por conseguinte, um dos casos de cláusula pétrea (art. 60, §4º, inc. IV, da CRFB/88) segundo o qual o ato normativo, inclusive emenda constitucional, que afetar o processo eleitoral entrará em vigor na data da sua publicação, mas não se aplicará ao pleito que ocorra até um 1 ano antes da data da sua vigência. Portanto, como o pleito municipal ocorreu no presente ano, é certo que a vigência da PEC n.º20, ainda que publicada em 2008, deverá ser postergada para a próxima eleição.


Num caso análogo, o E. STF examinou a constitucionalidade da Emenda Constitucional – EC n.º52/06, que alterou a redação do art. 17, da CRFB/88 para assegurar a liberdade de coligação partidária. O art. 2º, da EC n.º52/06, que entrou em vigor em 2006, determinava a sua aplicação para o pleito do ano de 2002. Tratava-se, portanto, de uma aplicação retroativa da EC n.º52/06, a fim de permitir, por via transversa, a sua incidência, indevida e ilegal, para o pleito de 2006. O E. STF, de forma exemplar, declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, da EC n.º52/06 por mácula ao princípio da anterioridade eleitoral, nos seguintes termos:


“Quanto ao mérito, afirmou-se, de início, que o princípio da anterioridade eleitoral, extraído da norma inscrita no art. 16 da CF, consubstancia garantia individual do cidadão-eleitor — detentor originário do poder exercido por seus representantes eleitos (CF, art. 1º, parágrafo único) — e protege o processo eleitoral. Asseverou-se que esse princípio contém elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível inclusive à atividade do legislador constituinte derivado (CF, artigos 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV), e que sua transgressão viola os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Com base nisso, salientando-se que a temática das coligações está ligada ao processo eleitoral e que a alteração a ela concernente interfere na correlação das forças políticas e no equilíbrio das posições de partidos e candidatos e, portanto, da própria competição, entendeu-se que a norma impugnada afronta o art. 60, § 4º, IV, c/c art. 5º, LIV e § 2º, todos da CF. Por essa razão, deu-se interpretação conforme à Constituição, no sentido de que o § 1º do art. 17 da CF, com a redação dada pela EC 52/2006, não se aplica às eleições de 2006, remanescendo aplicável a estas a redação original do mesmo artigo. Vencidos, nessa parte, os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence que julgavam o pedido improcedente, sendo que o Min. Marco Aurélio entendeu prejudicada a ação, no que diz respeito à segunda parte do art. 2º, da referida Emenda, quanto à expressão “aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 2002”2.


Em suma, concluímos que a PEC n.º20, que aumenta o número de Vereadores com a redução do repasse de recursos públicos para a Câmara Municipal, poderá até entrar em vigor na data da sua publicação, mas os seus efeitos serão postergados para as próximas eleições municipais, em razão dos motivos expostos.


É o parecer, s.m.j.


Marcos Paulo Marques Araújo

Assessor Jurídico


Aprovo o parecer.


Rachel Farhi

Consultora Jurídica


Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 2008.


MPMA\prl

H:/2008/20081413.DOC


1 BRASIL – Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno – ADI n.º1946/MC – Rel. Min. Syndey Sanches – j. em 29.04.1999 – publicado no DJU de 14.09.2001.


2 H:\2008\20081413.DOC BRASIL – Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno – ADI n.º3685/DF – Rel. Min. Ellen Gracie – j. em 22.03.2006 – “EC 52/06: ‘Verticalização’ e Princípio da Anualidade 1 e 2” (Título) – Informativo do STF, n.º420. Brasília: STF, 20 a 24 de março de 2006, p. 1 – In: www.stf.jus.br

Fonte: http://www.ibam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm

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