Estamos há tempos denunciando o processo de ampliação do programa nuclear brasileiro para a geração de energia elétrica. Na recente campanha ao governo do Estado, na condição de candidato, levamos este tema para debates nas TVs e também para o nosso guia eleitoral, como forma de alertar a população para os perigos que a construção de um complexo nuclear pode trazer, como mínimo, para o nosso Estado.
Há pelo menos cinco questões entrelaçadas que envolvem este tema e que precisam ser debatidos amplamente com a máxima urgência, na perspectiva de uma ampla mobilização social, diante da notícia de que o município de Itacoruba, às margens do Velho Chico, já foi escolhido como primeira opção pela Eletronuclear para a construção destas usinas no nordeste.
As questões são entrelaçadas porque dialogam entre si e se justificam mutuamente. A primeira questão diz respeito à natureza da energia nuclear. Trata-se de uma fonte não-renovável, altamente poluente no processo de produção do combustível nuclear e cujo lixo (resíduos radioativos) o homem ainda não sabe bem o que fazer com ele. Mesmo os resíduos de baixa radioatividade, como botas e macacões dos funcionários das usinas, precisam ainda ser confinados por séculos. Os resíduos de média e alta radioatividade tendem a virar um monumento eterno à estupidez. Detalhe: uma usina nuclear tem uma vida útil pouco maior que meio século. Até uma criança vê a relação cuto-benefício.
Ainda na questão da natureza destas usinas, há sempre o perigo de acidentes. Se não houvesse, um dos principais critérios para localização geográfica destas unidades não seria a baixa densidade populacional (uma das razões de terem escolhido Itacoruba), de forma que os “estragos” num eventual acidente sejam minimizados. O problema é que estamos falando de combustível nuclear, cuja irradiação pode alcançar com facilidade milhares de quilômetros. Pior, às margens de um dos principais rios brasileiros, o Rio São Francisco. Um acidente poderá, certamente, anular para sempre o sertão do São Francisco como o conhecemos e levar para as demais regiões o trauma de Chernobil.
A segunda questão diz respeito à necessidade da ampliação da oferta de energia elétrica. Precisamos mesmo desta ampliação? Este debate extrapola a questão das usinas nucleares e alcança mesmo as hidrelétricas e termoelétricas. É necessário matar o Parque do Xingu para construir a usina de Belo Monte.
Há fortes razões para crermos que os níveis de exigência de responsabilidade sócio-ambiental na Europa estejam carreando para a “periferia” do planeta a produção “suja”, como os eletrointensivos - produção de aço e alumínio -, unidades fabris que consomem energia elétrica e água equivalentes a grandes cidades e até mesmo estados inteiros. O nosso crescimento econômico, a nossa “marolinha” diante da crise econômica mundial, estaria sendo sustentada pela degradação criminosa da nossa infraestrutura natural.
Esta segunda questão nos leva imediatamente à terceira. Porque não há um debate democrático sobre isto? Temas desta relevância não podem ficar confinados em salas e corredores dos gabinetes do poder. A sociedade precisa conhecer minimamente as opções que têm. Porque razão o Brasil debateu o desarmamento, dizendo sim ou não, e com relação a um tema que diz respeito a questões de mais longo alcance não há participação popular?
A quarta questão diz respeito ao fato de estarmos falando do Brasil. Aqui não é a França, o Japão, países cuja infra-estrutura natural não lhes foi generosa, e que se utilizam desta fonte energética. Aqui no Brasil temos sol praticamente o ano inteiro, mar e ventos abundantes. Porque razão não exploramos melhor a hipótese de geração de energia elétrica a partir destas fontes renováveis? É porque elas são abundantes e não geram lucro para um pequeno grupo, como outras fontes?
Por fim, a quinta questão. Estamos falando de Pernambuco. Para quem ainda não conhece, sugiro a leitura da nossa Constituição Estadual, em seu Capítulo IV, Do Meio Ambiente, que abriga os artigos 204 a 216. Solicito especial atenção ao artigo 216: “Fica proibida a instalação de usinas nucleares no território do Estado de Pernambuco enquanto não se esgotar toda a capacidade de produzir energia hidrelétrica e oriunda de outras fontes”.
Porque razão o legislador definiu de forma tão expressa o uso de energia nuclear somente em último caso? É por que esta fonte é para ser usada somente em último caso mesmo, dadas as suas péssimas características. Não pode ser utilizada com o argumento de que gera emprego e renda, que gera divisas para o município e para o Estado. Estes argumentos são de uma futilidade inenarráveis.
Neste momento, o governador Eduardo Campos, e mais ainda o seu futuro secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Sergio Xavier, do PV, precisam demonstrar seu compromisso com o presente e com o futuro. A sociedade, precavida, deve estar pronta para dizer não a esta afronta ao futuro, ao presente, à lei e à razão.
* Edilson Silva é presidente estadual do PSOL
Fonte:http://www.blogdafolha.com.br/