DO MOMENTO DO PAGAMENTO DA MULTA DE 40%
O pagamento da multa de 40% é devido ao empregado demitido sem justa causa, como determina o art. 18, § 1.º, da Lei 8.036/90.
Entretanto, nem sempre o valor da multa apurado no momento de dispensa do empregado se faz com base no saldo atualizado da sua conta vinculada do FGTS, já recomposto em face dos expurgos econômicos. E isso devido a uma série de fatores tais como: o empregado não sabe que tem direto à recomposição do saldo de sua conta do FGTS; o empregado sabe desse direito, mas se mantém inerte; o empregado já ajuizou a competente ação na Justiça Federal Comum, porém seu pleito ainda não foi julgado; o empregado ajuizou a ação, que foi julgada procedente, mas ainda depende de ser executada para que tais valores passem a compor o seu patrimônio (lançado a crédito em sua conta do FGTS), etc.
Assim, e considerando que o órgão gestor do FGTS é a CEF e, portanto, a única que tem competência para informar oficialmente os saldos das contas do FGTS dos trabalhadores, não pode o empregador, sponte sua, ao demiti-lo sem justa causa, apurar o valor do saldo do FGTS para determinar o valor da multa de 40%, mesmo que tenha em mãos todos as informações que lhe permitam uma correta avaliação deste saldo, pela singela razão de que, por segurança jurídica, tanto do trabalhador como do empregador, tais valores devem ser obtidos via CEF, gestora do FGTS.
E se, no momento da demissão, a CEF não lhe fornece o saldo correto (pelas razões acima apontadas), não me parece justo que o empregador seja penalizado por um evento a que não deu causa.
Se, por um lado, a Lei 8.036, de 11/05/1990, determinou em seu art. 18, § 1.º que compete ao empregador pagar ao empregado a importância de 40% (quarenta por cento) do montante de todos os depósitos realizados na sua conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros, por outro, impõe ao órgão gestor do FGTS, conforme preceito contido no art. 7.º, inciso I, da mesma Lei, emitir regularmente os extratos individuais correspondentes aos saldos das contas vinculadas do FGTS.
Dessa forma, parece ser mais justo que o empregador que for acionado para recompor o valor da multa do FGTS, em virtude do descompasso entre o valor do saldo no momento da demissão e o valor desse mesmo saldo recomposto posteriormente (quer por ações judiciais, quer por acordo extrajudicial com a CEF via LC 110/01), ajuíze a respectiva ação de regresso em face da UNIÃO FEDERAL, o verdadeiro causador de todos os males, em virtude dos miraculosos e inconstitucionais planos econômicos.
Este é, aliás, o pensamento do I. Ministro do TST Antônio José de Barros Levenhagen, que no julgamento do PROC. Nº TST-RR-82997/2003-900-04-00.0, assim se manifestou:
(...)
DIFERENÇA DE MULTA DE 40% DO FGTS - EXPURGOS INFLACIONÁRIOS - RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO.
Pela análise das normas dos arts. 9º, § 1º, do Decreto nº 99684, estabelecido pelo Decreto nº 2430/97, e 18, § 1º, da Lei nº 8036/90, verifica-se que o único que deve responder pela multa fundiária é o empregador, e tendo caráter acessório as diferenças da aludida multa decorrentes dos expurgos inflacionários, deve esse recompor a totalidade dos depósitos, ainda que proveniente de desídia do órgão gestor da garantia. Ressalte-se que o fato de a diferença advir da aplicação dos expurgos inflacionários, reconhecidos pelo STF como direitos adquiridos dos trabalhadores, não afasta a responsabilidade do empregador, uma vez que a reparação pecuniária caberá àquele que tinha obrigação de satisfazer a multa fundiária à época da dispensa sem justa causa. Todavia, eventual direito de reembolso ao empregador quanto às diferenças dos 40% sobre o FGTS em decorrência dos expurgos inflacionários demanda ação de regresso pela via ordinária ( RR 880-2001-009-03-00, Quarta Turma, DJ 7/3/03).(grifei)
Esta parece ser a abordagem que resguarda os direitos de ambas as partes, empregados e empregadores.
DA AUTONOMIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA E JUSTIÇA FEDERAL
Sem qualquer sombra de dúvida, há a mais completa autonomia entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal, cujas competências são fixadas pela Constituição Federal.
Entretanto, pode acontecer que os fatos da vida tornem necessário que uma ação seja julgada antes da outra por uma das Justiças, por haver dependência material de direitos que precisam obedecer a uma ordem de precedência de apuração, para resguardá-los e/ou torná-los exeqüíveis de cobrança judicial.
É o caso, por exemplo, das ações na Justiça do Trabalho para apuração das diferenças da multa de 40% pagas a trabalhador demitido sem justa causa e cujo saldo de sua conta do FGTS foi, posteriormente, recomposto em face dos expurgos econômicos. Neste caso, o ajuizamento da ação na Justiça do Trabalho depende de haver sido recomposto o saldo da sua conta vinculada, sem o qual não há direito a reclamar, por óbvio.
Aliás, a própria Lei Complementar 110/01 estabelece em seu art. 4.º, in fine, que a única condição imposta para que o trabalhador pudesse aderir ao referido acordo é que mantivesse saldo de sua conta do FGTS no período de 1.º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e/ou durante o mês de abril de 1990.
Assim, embora autônomas em sua competência, as justiças poderão se encontrar numa posição de precedência lógica quanto ao direito material em discussão, o que não significa dependência hierárquica entre ambas.
DA NOVA REDAÇÃO DA OIJ N.º 344, DO E. TST
O novo texto da OIJ n.º 344 tem a seguinte dicção:
N.º 344. FGTS. MULTA DE 40%. DIFERENÇAS DECORRENTES DOS EX-PURGOS INFLACIONÁRIOS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. DJ 10.11.2004 (alterada em decorrência do julgamento do processo TST IUJ-RR 1577/2003-019-03-00.8, DJ 22.11.2005).
O termo inicial do prazo prescricional para o empregado pleitear em juízo diferenças da multa do FGTS, decorrentes dos expurgos inflacionários, deu-se com a vigência da Lei Complementar nº 110, em 30.06.01, salvo comprovado trânsito em julgado de decisão proferida em ação proposta anteriormente na Justiça Federal, que reconheça o direito à atualização do saldo da conta vinculada.
Com o devido respeito aos ínclitos Ministros do E. TST, o novo texto da OIJ de n.º 344 continua equivocado.
Por duas razões.
A primeira, repousa no fato de que a referida lei Complementar 110/01 não tem o condão de afastar a vigência do Novo Código Civil Brasileiro.
De fato, a LC 110/01 impõe, como única condição para que o trabalhador possa aderir ao acordo extrajudicial com a CEF que mantivesse saldo de sua conta do FGTS no período de 1.º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e/ou durante o mês de abril de 1990, mas, o depósito dos valores a que faz jus não é feito logo após a assinatura do Termo de Adesão. É que a referida LC estabeleceu DUAS condições SUSPENSIVAS, sucessivas, as quais, uma vez satisfeitas, autorizam a CEF a efetuar o crédito na conta vinculada do FGTS.
A primeira condição suspensiva está contida no art. 4.º, I, da LC, que diz:
Art. 4º. Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas, respectivamente, no período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990, desde que:
I - o titular da conta vinculada firme o Termo de Adesão de que trata esta Lei Complementar: (grifei)
(...)"
Veja-se que é uma condição suspensiva, ou seja, o direito reconhecido pela lei fica na dependência de satisfação de um evento futuro e incerto antes do qual não há que se falar no efetivo crédito na conta do FGTS do trabalhador.
Mas, assinado o termo de adesão, ou seja, satisfeita esta condição suspensiva, de imediato e sucessivamente, entra em cena uma SEGUNDA condição suspensiva, dependente da primeira, mediante a qual os créditos nas contas do FGTS ficam na dependência de um evento futuro e certo, traduzido por um cronograma de pagamentos, antes do qual não é feito nenhum depósito na conta do FGTS do trabalhador.
Veja-se o teor da referida condição suspensiva, contida no art. 6.º, II, da LC 110/01:
Art. 6º O Termo de Adesão a que se refere o inciso I do art. 4º, a ser firmado no prazo e na forma definidos em Regulamento, conterá:
I – (...)
II - a expressa concordância do titular da conta vinculada com a forma e os prazos do crédito na conta vinculada, especificados a seguir:
a) complemento de atualização monetária no valor total de R$ 1.000,00 (um mil reais), até junho de 2002, em uma única parcela, para os titulares de contas vinculadas que tenham firmado o Termo de Adesão até o último dia útil do mês imediatamente anterior;
b) complemento de atualização monetária no valor total de R$ 1.000,01 (um mil reais e um centavo) a R$ 2.000,00 (dois mil reais), em duas parcelas semestrais, com o primeiro crédito em julho de 2002, sendo a primeira parcela de R$ 1.000,00 (um mil reais), para os titulares de contas vinculadas que tenham firmado o Termo de Adesão até o último dia útil do mês imediatamente anterior;
c) complemento de atualização monetária no valor total de R$ 2.000,01 (dois mil reais e um centavo) a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em cinco parcelas semestrais, com o primeiro crédito em janeiro de 2003, para os titulares de contas vinculadas que tenham firmado o Termo de Adesão até o último dia útil do mês imediatamente anterior; (grifei)
d) complemento de atualização monetária no valor total de R$ 5.000,01 (cinco mil reais e um centavo) a R$ 8.000,00 (oito mil reais), em sete parcelas semestrais, com o primeiro crédito em julho de 2003, para os titulares de contas vinculadas que tenham firmado o Termo de Adesão até o último dia útil do mês imediatamente anterior;
e) complemento de atualização monetária no valor total acima de R$ 8.000,00 (oito mil reais), em sete parcelas semestrais, com o primeiro crédito em janeiro de 2004, para os titulares de contas vinculadas que tenham firmado o Termo de Adesão até o último dia útil do mês imediatamente anterior; e
(...)" (grifei)
Ou seja, somente vencido o prazo estabelecido no inciso II, do art. 6.º da LC é que estaria satisfeita a SEGUNDA condição suspensiva e aí sim, haveria o efetivo depósito na conta vinculada do FGTS, passando a integrar o patrimônio do trabalhador, direito subjetivo inconteste.
Antes disso, o trabalhador tem apenas uma EXPECTATIVA DE DIREITO e não um direito subjetivo incorporado ao seu patrimônio.
Ora, a Lei Civil é clara no que diz respeito ao curso da prescrição, pendente uma condição suspensiva, a teor do art. 199, in verbis:
"Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I – pendendo condição suspensiva;
II – não estando vencido o prazo
(...)"
Ou seja, somente satisfeitas as duas condições suspensivas, a conta do FGTS do trabalhador é recomposta e, nesse preciso momento, configura-se a lesão ao seu direito, por restar consumada a diferença entre a multa de 40% recebida por ocasião de sua dispensa imotivada e o valor dessa multa calculado após a referida composição.
Significa que enquanto não satisfeitas tais CONDIÇÕES SUSPENSIVAS o trabalhador não tem a sua conta do FGTS alterada, isto é, os valores não integram o seu patrimônio.
Assim, a primeira parte da nova redação da OIJ n.º 344 que diz "O termo inicial do prazo prescricional para o empregado pleitear em juízo diferenças da multa do FGTS, decorrentes dos expurgos inflacionários, deu-se com a vigência da Lei Complementar nº 110, em 30.06.01" está equivocada, pois, a LC 110/01, com as CONDIÇÕES SUSPENSIVAS que introduziu, não possibilita que o termo inicial para o empregado pleitear em juízo as referidas diferenças se dê com a entrada em vigor da LC 110/01.
A segunda razão está relacionada com a segunda parte da referida OIJ que diz: "...salvo comprovado trânsito em julgado de decisão proferida em ação proposta anteriormente na Justiça Federal, que reconheça o direito à atualização do saldo da conta vinculada".
Aqui, a questão situa-se no âmbito do sistema processual brasileiro.
De fato, transitada em julgado a sentença na Justiça Federal, reconhecendo os valores de recomposição da conta do FGTS, ainda assim, tem-se, na verdade, uma expectativa de direito, uma vez que a sentença transitada em julgado não se traduz, de imediato, em valores depositados na conta do FGTS, ou seja, no patrimônio do trabalhador.
Para tanto, o trabalhador terá que iniciar um novo processo, de execução, que é ônus seu, com todos os percalços de um processo de conhecimento, recheado de recursos de que o Poder Público usa e abusa para não cumprir as decisões judiciais.
Dito de outro modo, a sentença judicial transitada em julgado não significa que o patrimônio do trabalhador foi alterado, mas, apenas, que existe tal possibilidade, caso dê início ao processo de execução.
Atente-se para o seguinte detalhe: transitada em julgado a sentença condenatória, aquele que teve ganho de causa passa a ter um direito potestativo em relação ao perdedor, ou seja, um direito de intervir na sua esfera jurídica (dele perdedor), independentemente de sua vontade, e, em tais condições, tal direito é de natureza decadencial e imprescritível (regra geral). [01]
Assim, a expressão "salvo comprovado trânsito em julgado de decisão proferida em ação proposta anteriormente na Justiça Federal, que reconheça o direito à atualização do saldo da conta vinculada" não tem o condão de dar início à prescrição pela singela razão que, na verdade, somente após a competente execução, os valores da condenação passarão a integrar o patrimônio do trabalhador. Mas tal execução constitui um direito potestativo do trabalhador, em regra imprescritível, não podendo, assim, falar-se em início da prescrição com o trânsito em julgado da sentença.
Note-se que as ações constitutivas são aquelas que objetivam a mudança de uma situação jurídica. Tais ações são, em regra, imprescritíveis. Algumas delas têm prazo especial de decadência fixado em lei, visando à pacificação social. Além do mais, alguns direitos potestativos somente podem ser exercidos através de pronunciamento judicial. [02] No caso em questão, deve-se observar o que diz a Súmula n.º150, do E. STF, de forma que o prazo de decadência resulta ser de 30 anos!
CONCLUSÃO
A nova redação dada à OIJ n.º 344, do E. TST, com o devido respeito, merece ser revista, uma vez que contém incontornáveis vícios de formulação, incompatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro.
A uma, desconhece as restrições estabelecidas pelo Código Civil de 2002 para o curso da prescrição, pendente condição suspensiva e/ou não estando vencido o prazo. A duas, porque o trânsito em julgado da sentença condenatória na Justiça Federal não tem o condão de modificar a conta vinculada do FGTS do trabalhador. O trânsito em julgado cria para o trabalhador vitorioso um direito potestativo de interferir na esfera jurídica da CEF, o qual é exercido com o ajuizamento do processo de execução. Ao se fazer incidir o que dispõe o verbete da Súmula de n.º 150, do E. STF, a execução, neste caso, tem prazo de decadência de 30 anos.
Notas
01 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e para Identificar as Ações Imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil, 1962, pág. 115.
02 Op., cit., passim
MARCOS BARBOSA VASQUES
advogado no Rio de Janeiro (RJ), mestrando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
VASQUES, Marcos Barbosa. FGTS, a multa de 40% e a nova redação da OIJ nº 344 do TST. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1016, 13 abr. 2006. Disponível em:Fonte:http://jus.uol.com.br/revista/texto/8244/fgts-a-multa-de-40-e-a-nova-redacao-da-oij-no-344-do-tst
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